terça-feira, 3 de julho de 2018

NÃO SE PRIVATIZA ESQUELETO *

Os governos no Brasil têm uma compulsão atávica em criar esqueletos no armário. São tantos, a maior parte deles na área econômica, que às vezes perdemos a conta. Polonetas, depósitos compulsórios de diversas ordens (o das viagens ao exterior, alguém lembra dele?), e sempre cabendo mais um esqueleto nesse armário.
O recente caso das Centrais Elétricas de Alagoas – CEAL é mais um deles, pois arrasta-se  há mais de 20 anos. Rememorando o assunto, vamos a 1996, quando a maior parte dos estados brasileiros estavam quebrados. O Plano Real havia interrompido a farra inflacionária e com taxas de inflação mais civilizadas, não se podia mais usar a alta inflação como mecanismo de financiamento.
O Governo Federal, inteligentemente, propôs aos estados que lhe entregassem suas estatais, em troca de recursos, e estas seriam privatizadas. O foco principal eram os bancos estaduais que funcionavam como casas da moeda paralelas., mas outras estatais que tivessem algum valor para eventuais interessados, também poderiam ser entregues.
Este foi o caso de Alagoas, que entregou ao Tesouro Nacional as ações da sua distribuidora de eletricidade. A CEAL foi federalizada, e seu controle acionário e administrativo foi passado à Eletrobrás. Era 1996, e esta transferência de controle foi suportada por uma lei estadual de 28.08.1996, quase 22 anos. Relembremos que, nesta época, o Governo de Alagoas enfrentava uma série crise financeira, com sucessivos atrasos nos pagamentos de suas obrigações, notadamente a fornecedores e a funcionários públicos.
No setor elétrico, estados semelhantes a Alagoas (RN, SE, CE e BA) federalizaram,  também, suas distribuidoras de energia.
Os processos de privatização destas distribuidoras avançaram ao longo de 1996 e 1997, dentro dos trâmites do Programa Nacional de Desestatização, e as distribuidoras de BA, CE, SE e RN foram privatizadas entre agosto/97 e abril/98. A CEAL ficou para trás, apesar do processo burocrático normal nestas privatizações estar concluído. E o fato preponderante por este atraso foi a situação política no estado, cujo ápice foi a renúncia do governador e uma “intervenção branca” nas finanças do estado pelo Governo Federal, com a nomeação de um coronel do exército para secretario de finanças do estado em junho de 97. Como fazer um leilão nesta situação? Assim, este foi adiado e marcado para dezembro/1998, e foi um leilão onde não apareceram concorrentes. E por que? Lembremos que do fim de 1997 a 1998, ocorreram as crises econômicas da Ásia e da Rússia, com ataques especulativos às suas moedas e quando estes começaram contra o Brasil, o Banco Central aumentou a taxa referencial da época, a TBAN, de 20% para 43%, ao longo de 1998. Os investidores ficaram sem um parâmetro financeiro para balizar seus lances.
Surge, então, o problema: Alagoas transferiu um ativo para o Governo Federal, por valor aproximado de R$ 450 milhões. O Governo Federal, por sua vez, adiantou um valor de R$ 250 milhões, tudo em valores da época. Alagoas ficou com um crédito pela diferença, crédito este que deveria ser quitado quando a privatização ocorresse. Como a privatização não ocorreu, e não houve entendimento como este valor seria quitado, apareceu o cadáver, que se tornou o atual esqueleto, 20 anos após, e com potencial de se transformar em mais um imbróglio jurídico.
Fazendo um paralelo deste caso com as demandas decorrentes das poupanças retidas no Plano Collor, vemos que passou-se da fase de esqueleto para imbróglio jurídico. E este foi finalmente resolvido, graças a um bom entendimento entre as partes envolvidas (demandantes, FEBRABAN, AGU, BACEN e Judiciário). Os números envolvidos, que a princípio eram alarmantes, podendo até quebrar o sistema financeiro nacional, hoje verifica-se que são da ordem de R$ 12 bilhões. Não quebram os bancos, poupadores ficam satisfeitos, ou seja, um bom acordo.
Esperamos que o bom senso também prevaleça no caso da CEAL, onde os atores envolvidos, e bem orientados pelo Judiciário, cheguem a um acordo, que evitará enormes prejuízos a toda a população, principalmente a de Alagoas, com a ameaça de interrupção do fornecimento de energia elétrica. E, também, em nada ameaça a Lei de Responsabilidade Fiscal, tanto para a União quanto para Alagoas. Afinal, os valores envolvidos são de menos de 0,05% do orçamento nacional para este ano.

JOSÉ ROBERTO AFONSO, economista, professor do IDP e pesquisador do IBRE
MAURICIO AQUINO, contador e diretor da Praxis Brasil Consultoria

* Publicado no Jornal do Brasil e na Gazeta de Alagoas em 03.07.2018

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