domingo, 23 de junho de 2013

A OPÇÃO PELOS ÔNIBUS – 2 (ou o Centro do Rio não mudou de lugar)


Esta série de artigos procura mostrar que todas as mudanças de rotas de tráfego efetuadas no Centro do Rio e no seu entorno visaram a melhorar os acessos ao mesmo. E como a geografia (e a história da construção do Centro)do Rio só permite que o Centro do Rio tenha dois acessos: um pelo lado norte e outro pelo lado sul. E vamos mostrar que esta lógica de deslocamentos usando transporte de massas se manteve até recentemente. Lógica esta que foi rompida nos últimos 10 anos.
E vamos à nossa história e geografia do Rio. No post anterior, vimos que a primeira intervenção nos acessos ao Centro do Rio se deu pelo seu lado norte, com a construção do Canal do Mangue. Após esta construção, o Centro da cidade se espraiou para estes lados.
E tal se manteve até o período entre os anos de 1905 e 1910, onde diversas intervenções ocorreram. Neste período, foram construídos o novo cais do Rio de Janeiro, com os aterros sacos da Saúde e da Gamboa e da enseada de São Cristóvão, que abrigavam as antigas instalações portuárias que eram dispersas. Retificado o litoral, prolongou-se o Canal do Mangue até a borda do novo porto, ficando esta parte do Rio com a silhueta que possui até hoje. Estas obras possibilitaram a abertura das Avenidas Francisco Bicalho e Rodrigues Alves. Ou seja, melhoraram-se os acessos ao Centro do Rio pelo seu lado norte.
Ao mesmo tempo, em 1906 era inaugurada a Av. Central, atual Rio Branco, ligando a área do novo cais até a entrada sul do Centro do Rio, no que hoje é a Av. Beira Mar. Como a Av. Central era de mão dupla, a circulação do Centro ficou facilitada, nos dois sentidos sul – norte. E logo após, em 1911, foi demolido o Convento de Nossa Senhora da Conceição (ou Convento da Ajuda), abrindo-se o espaço para a construção da Cinelândia e, principalmente, possibilitando que a rua Senador Dantas se prolongasse até ao Passeio Público, melhorando-se os acessos pelo lado sul do Centro.
A Light entra em cena
Abro agora um parênteses para falar de planejamento urbano feito por uma empresa de transporte de massas. A Light, à época uma empresa canadense, tinha recém consolidado as diversas concessões de bondes que existiam no Rio de Janeiro desde meados do império. E com a eletrificação das linhas a partir de 1892, o bonde passou a ser o meio de transportes de massa para a população do Rio. Foram quase 500 km de linhas por toda a cidade, em um sistema integrado e com sistemas isolados na Ilha do Governador, Campo Grande – Guaratiba e Campinho - Jacarepaguá. Para quem não sabe, em 1960 você poderia ir do Leblon a Jacarepaguá, de bonde, com pequenas caminhadas entre o Largo da Carioca e o Largo de São Francisco e entre Cascadura e Campinho.
E é bom lembrar que, por volta de 1910, o grupo canadense controlador da Light consolida a posição de único provedor de serviços públicos no Rio, sendo a provedora de energia (Light), dos transportes públicos de massa (Cia. Carris Jardim Botânico), dos serviços de telefonia (Cia. Telefônica Brasileira – CTB) e dos serviços de gás canalizado (S.A. du Gaz), ficando de fora somente os serviços de água e esgoto que eram de uma empresa inglesa (City Improvements). É bom lembrar que toda a expansão imobiliária que se verificou no Rio de Janeiro (capital do País) nos anos 1920 contou com o planejamento da Light, principalmente na ocupação de Copacabana, Leme, Ipanema e Leblon. Os diversos loteamentos foram entregues com transporte público, iluminação, luz elétrica e facilidades de telefonia.
 
Bonde na Rua Barata Ribeiro, vendo-se o bonde, postes de iluminação pública, de energia elétrica e de telefonia.

A Demolição do Morro do Castelo e o Plano Agache
Em 1920, visando a ter-se uma área na qual pudesse ser alojada a exposição internacional comemorativa dos 100 anos da independência do Brasil e, também, para aumentar a circulação dos ventos no Centro da Cidade, é demolido o Morro do Castelo, local de onde a cidade começou a ser implantada. O material do desmonte do Morro do Castelo foi usado em 2 grandes aterros. O primeiro aterro resultou no que hoje é o quarteirão entre as avenidas Franklin Roosevelt, Presidente Wilson e Beira Mar, acrescido da área que hoje é a Praça Paris, mais o Largo da Glória. Aterrou-se também o que é hoje o Aeroporto Santos Dumont e o Trevo dos Estudantes.
O outro aterro foi uma área de manguezal nas bordas da Lagoa Rodrigo de Freitas, conhecidas com Saco e Saquinho, possibilitando a construção da Praça Santos Dumont e do Jockey Clube Brasileiro.
Voltando ao Centro da Cidade, ampliaram-se as áreas de acesso ao Centro pelo seu lado sul, mas não se alterou a dinâmica dos acessos pelo sul e norte, dinâmica esta que permanece até hoje.
Em 1927, a Prefeitura do Rio contrata o urbanista francês Alfred Hubert Donat  Agache para elaborar um plano diretor para a cidade. Este plano privilegiou a circulação da cidade baseada em transportes de massa baseados no trilho e na ligação aquaviária com a cidade de Niterói. Produziu diversas recomendações para a ocupação das áreas conquistadas pelo desmonte do Morro de Castelo e dos aterros decorrentes. A obra mais conhecida e visível é o conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça Paris e do Largo da Glória.
Ao final dos anos 1920, o Centro da cidade do Rio de Janeiro é de uma cidade de padrão europeu, mas mantendo seus acessos pelo sul e pelo norte. Os transporte de massas são os bondes e os trens dos ramais da Central do Brasil e da Leopoldina.
O acesso sul ao Centro se dá por bonde, cujo terminal fica no Edifício Avenida e Galeria Cruzeiro. Os bondes vindos da Zona Sul acessavam o Centro pela Av. Augusto Severo, Rua do Passeio, Rua 13 de Maio e Largo da Carioca, retornando à Zona Sul pela Rua Senador Dantas e percorrendo as mesmas ruas do acesso.
O acesso norte ao centro se dá pela Rua General Câmara (antiga Rua do Sabão), entrando na Avenida Passos e fazendo retorno pela Praça Tiradentes. Os acessos à Zona Norte e Subúrbios se dividiam na Praça da Bandeira. Havia também uma linha de bondes que na altura da Cinelândia, em frente ao Cinema Odeon, seguia pela Rua de Santa Luzia e atingia Praça Mauá e a Gamboa, pela Rua 1o de Março.
Este cenário nos deslocamentos de toda a cidade para o Centro da mesma se manteve enquanto as linhas de bonde existiram no Rio. As mesmas começaram a ser extintas a partir de 1962 (Zona Sul) e em 1967 os últimos bondes deixaram de circular no Rio.
A única alteração no que descrevi fui a demolição do Hotel Avenida e Galeria Cruzeiro, perdendo os bondes da Zona Sul o seu terminal. Para isto, em 1955, foi construído o Tabuleiro da Baiana.
Por mais que se expandissem as vias de acesso, a sua dinâmica não se alterou e o Centro do Rio não se expandiu. Foi se verticalizando.
No último capítulo desta trilogia, descreverei como esta lógica foi desfeita a partir dos anos 1980.
Hotel Avenida na Av. Rio Branco, com um bonde vindo da Zona Sul entrando no terminal. 


O terminal do Tabuleiro da Baiana, e ao fundo o Morro de Santo Antônio. Neste local, hoje passa a Avenida Chile, e no local do morro temos a sede da Petrobras, o BNDES, a Catedral e outros prédios comerciais.

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