Esta série de artigos procura
mostrar que todas as mudanças de rotas de tráfego efetuadas no Centro do Rio e
no seu entorno visaram a melhorar os acessos ao mesmo. E como a geografia (e a
história da construção do Centro)do Rio só permite que o Centro do Rio tenha
dois acessos: um pelo lado norte e outro pelo lado sul. E vamos mostrar que
esta lógica de deslocamentos usando transporte de massas se manteve até
recentemente. Lógica esta que foi rompida nos últimos 10 anos.
E vamos à nossa história e
geografia do Rio. No post anterior, vimos que a primeira intervenção nos
acessos ao Centro do Rio se deu pelo seu lado norte, com a construção do Canal
do Mangue. Após esta construção, o Centro da cidade se espraiou para estes
lados.
E tal se manteve até o período
entre os anos de 1905 e 1910, onde diversas intervenções ocorreram. Neste
período, foram construídos o novo cais do Rio de Janeiro, com os aterros sacos
da Saúde e da Gamboa e da enseada de São Cristóvão, que abrigavam as antigas
instalações portuárias que eram dispersas. Retificado o litoral, prolongou-se o
Canal do Mangue até a borda do novo porto, ficando esta parte do Rio com a
silhueta que possui até hoje. Estas obras possibilitaram a abertura das
Avenidas Francisco Bicalho e Rodrigues Alves. Ou seja, melhoraram-se os acessos
ao Centro do Rio pelo seu lado norte.
Ao mesmo tempo, em 1906 era
inaugurada a Av. Central, atual Rio Branco, ligando a área do novo cais até a
entrada sul do Centro do Rio, no que hoje é a Av. Beira Mar. Como a Av. Central
era de mão dupla, a circulação do Centro ficou facilitada, nos dois sentidos
sul – norte. E logo após, em 1911, foi demolido o Convento de Nossa Senhora da
Conceição (ou Convento da Ajuda), abrindo-se o espaço para a construção da
Cinelândia e, principalmente, possibilitando que a rua Senador Dantas se
prolongasse até ao Passeio Público, melhorando-se os acessos pelo lado sul do
Centro.
A Light entra em cena
Abro agora um parênteses para
falar de planejamento urbano feito por uma empresa de transporte de massas. A
Light, à época uma empresa canadense, tinha recém consolidado as diversas
concessões de bondes que existiam no Rio de Janeiro desde meados do império. E
com a eletrificação das linhas a partir de 1892, o bonde passou a ser o meio de
transportes de massa para a população do Rio. Foram quase 500 km de linhas por
toda a cidade, em um sistema integrado e com sistemas isolados na Ilha do
Governador, Campo Grande – Guaratiba e Campinho - Jacarepaguá. Para quem não
sabe, em 1960 você poderia ir do Leblon a Jacarepaguá, de bonde, com pequenas
caminhadas entre o Largo da Carioca e o Largo de São Francisco e entre
Cascadura e Campinho.
E é bom lembrar que, por volta
de 1910, o grupo canadense controlador da Light consolida a posição de único
provedor de serviços públicos no Rio, sendo a provedora de energia (Light), dos
transportes públicos de massa (Cia. Carris Jardim Botânico), dos serviços de
telefonia (Cia. Telefônica Brasileira – CTB) e dos serviços de gás canalizado
(S.A. du Gaz), ficando de fora somente os serviços de água e esgoto que eram de
uma empresa inglesa (City Improvements). É bom lembrar que toda a expansão
imobiliária que se verificou no Rio de Janeiro (capital do País) nos anos 1920
contou com o planejamento da Light, principalmente na ocupação de Copacabana,
Leme, Ipanema e Leblon. Os diversos loteamentos foram entregues com transporte
público, iluminação, luz elétrica e facilidades de telefonia.
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Bonde na Rua Barata Ribeiro, vendo-se o bonde, postes de iluminação pública, de energia elétrica e de telefonia. |
A Demolição do Morro do Castelo e o Plano Agache
Em 1920,
visando a ter-se uma área na qual pudesse ser alojada a exposição internacional
comemorativa dos 100 anos da independência do Brasil e, também, para aumentar a
circulação dos ventos no Centro da Cidade, é demolido o Morro do Castelo, local
de onde a cidade começou a ser implantada. O material do desmonte do Morro do
Castelo foi usado em 2 grandes aterros. O primeiro aterro resultou no que hoje
é o quarteirão entre as avenidas Franklin Roosevelt, Presidente Wilson e Beira
Mar, acrescido da área que hoje é a Praça Paris, mais o Largo da Glória.
Aterrou-se também o que é hoje o Aeroporto Santos Dumont e o Trevo dos
Estudantes.
O outro
aterro foi uma área de manguezal nas bordas da Lagoa Rodrigo de Freitas,
conhecidas com Saco e Saquinho, possibilitando a construção da Praça Santos
Dumont e do Jockey Clube Brasileiro.
Voltando ao
Centro da Cidade, ampliaram-se as áreas de acesso ao Centro pelo seu lado sul,
mas não se alterou a dinâmica dos acessos pelo sul e norte, dinâmica esta que
permanece até hoje.
Em 1927, a
Prefeitura do Rio contrata o urbanista francês Alfred Hubert Donat Agache para elaborar um plano diretor para a
cidade. Este plano privilegiou a circulação da cidade baseada em transportes de
massa baseados no trilho e na ligação aquaviária com a cidade de Niterói.
Produziu diversas recomendações para a ocupação das áreas conquistadas pelo
desmonte do Morro de Castelo e dos aterros decorrentes. A obra mais conhecida e
visível é o conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça Paris e do Largo da
Glória.
Ao final dos
anos 1920, o Centro da cidade do Rio de Janeiro é de uma cidade de padrão
europeu, mas mantendo seus acessos pelo sul e pelo norte. Os transporte de
massas são os bondes e os trens dos ramais da Central do Brasil e da
Leopoldina.
O acesso sul
ao Centro se dá por bonde, cujo terminal fica no Edifício Avenida e Galeria
Cruzeiro. Os bondes vindos da Zona Sul acessavam o Centro pela Av. Augusto
Severo, Rua do Passeio, Rua 13 de Maio e Largo da Carioca, retornando à Zona
Sul pela Rua Senador Dantas e percorrendo as mesmas ruas do acesso.
O acesso
norte ao centro se dá pela Rua General Câmara (antiga Rua do Sabão), entrando na
Avenida Passos e fazendo retorno pela Praça Tiradentes. Os acessos à Zona Norte
e Subúrbios se dividiam na Praça da Bandeira. Havia também uma linha de bondes
que na altura da Cinelândia, em frente ao Cinema Odeon, seguia pela Rua de
Santa Luzia e atingia Praça Mauá e a Gamboa, pela Rua 1o de Março.
Este cenário
nos deslocamentos de toda a cidade para o Centro da mesma se manteve enquanto
as linhas de bonde existiram no Rio. As mesmas começaram a ser extintas a
partir de 1962 (Zona Sul) e em 1967 os últimos bondes deixaram de circular no
Rio.
A única
alteração no que descrevi fui a demolição do Hotel Avenida e Galeria Cruzeiro,
perdendo os bondes da Zona Sul o seu terminal. Para isto, em 1955, foi
construído o Tabuleiro da Baiana.
Por mais que
se expandissem as vias de acesso, a sua dinâmica não se alterou e o Centro do
Rio não se expandiu. Foi se verticalizando.
No último
capítulo desta trilogia, descreverei como esta lógica foi desfeita a partir dos
anos 1980.
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Hotel Avenida na Av. Rio Branco, com um bonde vindo da Zona Sul entrando no terminal. |
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