quarta-feira, 19 de junho de 2013

A OPÇÃO PELOS ÔNIBUS (ou a “cegueira” de Maria Antonieta)


Este é um post que está pronto há muito tempo, faz parte do estoque de ideias para o blog desde o ano passado. Volta e meia dou uma arrumada nele, mas o estouro da boiada dos últimos dias me fez revê-lo e coloca-lo no ar.
Vai ser uma série de 2 ou 3 comentários para que os mesmos não fiquem muito extensos ou cansativos para nossos leitores.
Colocando de lado os protestos dos últimos dias em diversas cidades e sem entrarmos nas divagações que pululam em TVs, rádios e jornais sobre os reais motivos dos protestos e sobre o que está por trás deles, o que fica visível e patente é que ninguém (aqueles que andam de ônibus nas grandes cidades) aguenta mais ficar de 4 a 5 horas por dia dentro de um ônibus, nos deslocamentos para o seu trabalho.
E, como sou carioca, vou citar o exemplo do Rio de Janeiro, cidade que, por sucessivas administrações, sejam de Prefeitos e Governadores do estado, vêm reafirmando a opção por ônibus como meio de transporte de massas.
Vou agora relatar um fato que, em virtude dos últimos acontecimentos, pode ter passado despercebido. No dia 12.06 último (antes do início dos protestos contra os aumentos dos ônibus), houve um debate no IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil, do Rio de Janeiro, com a presença do Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro. Neste debate foram discutidas opções de transporte de massa para o Centro do Rio, e principalmente a discussão de corredores de ônibus BRT Deodoro  - Centro e o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), para o Centro. E a ideia é que os dois modais disputem espaço (e público) cruzando pela Rio Branco e Primeiro de Março.
O mais engraçado disto tudo é que 2 ou 3 dias após, o consórcio que ganhou a concessão para implantar as linhas de VLT no Centro do Rio, publica no Globo anúncio de página inteira exaltando as excelências de seu sistema. Para mim, e como ninguém gasta página inteira de jornal com anúncio à toa, foi uma nítida defesa de seu espaço e de seu mercado para o produto que vai implantar. Ou seja, a opção pelo ônibus ainda ronda o centro da cidade do Rio, já tão poluído e saturado.
Fora o aspecto da total falta de planejamento e de integração de modais de nosso transporte público.
Os comentários que farei a seguir são fruto de observação empírica de quem, dia sim outro também, vai ao centro da cidade do Rio para trabalhar. O Rio de Janeiro, nos últimos 10 anos, virou garagem de ônibus das 10:00 às 16:00 hs, desde a Glória até a estação da Central do Brasil.
Das cidades do mundo que conheço, o Rio é, sem sombra de dúvidas, a única que tem ponto final de ônibus dentro de seu centro nevrálgico. Nem São Paulo, que tem um trânsito complicado, mas ordenado, tem isto.
Como já escrevi, vou escrever mais uns 3 posts explicando porque o Centro do Rio não pode ter ônibus circulando pelo mesmo, e porque o VLT ainda é a melhor opção para termos um centro de cidade mais humano, com ar menos poluído e sem muito barulho. Para isto vou usar coisas que gosto, ou seja, história e geografia, e mais a minha memória.
Vamos lá. O Rio de Janeiro tem uma geografia complicada para uma cidade, atualmente. Foi útil no passado remoto, com seus morros e uma baía com uma entrada apertada. Era uma cidade de fácil defesa, entrada de barra apertada com 2 fortes e diversas colinas e morros a beira mar, que também poderiam ser fortalecidos. Mas isto vira uma dificuldade quando se tem em cima disto uma população de 6 milhões de habitantes.
Além disto, as praias eram poucas, e o litoral era constituído de diversas reentrâncias, cobertas por manguezais. A cidade se estabeleceu no Morro do Castelo, e espraiou-se no sentido norte, começando a crescer por onde hoje é a Praça XV e as Rua 1o de Março, São José e Assembleia. E por razões históricas e sociais, o centro do Rio ainda se encontra no mesmo lugar, praticamente onde estava na virada dos séculos XVI para XVII.
A cidade, para quem olhar um mapa do Rio do início do século, vai reparar que a cidade do Rio tinha (como ainda tem) duas ou três entradas pelo lado Norte e, duas entradas pelo lado Sul. E se repararmos que o traçado das ruas – exceto o que descreverei nos artigos a seguir – é exatamente o mesmo do início do século XX, vemos que colocar corredores de ônibus pelo Centro é, no mínio, agir como Maria Antonieta. Dizem que ela não falou a célebre frase atribuída a ela, aquela do “não tem pão, comam bolos”. Mas colocar mais ônibus no centro do Rio e concorrendo com um VLT (será que sai mesmo?), é uma doideira.
As intervenções na geografia do Centro Rio, nos seus acessos e na sua malha viária foram muitas. Mas os fluxos dos deslocamentos, apesar das intervenções feitas, se mantiveram.
A primeira grande intervenção no Centro do Rio se deu quando o Barão de Mauá ganhou a concessão para colocar a iluminação a gás no Rio. Ele, para economizar na tubulação de gás, precisava colocar a usina de gás perto do Centro do Rio e em um terreno de custo muito baixo. O terreno encontrado situava-se em pleno um manguezal, que hoje é o Canal do Mangue, feito pelo Barão. Para quem não sabe, a região do atual Canal do Mangue era um tremendo manguezal que vinha desde a atual Estação da Leopoldina e vinha até a atual Estação da Central do Brasil. O Barão de Mauá drenou o manguezal (Pantanal de São Diogo) e uma lagoa (da Sentinela, atual Largo do Estácio), canalizou a água e, além de criar solo para a sua central de gás, criou o acesso das barcaças que transportavam o carvão importado, matéria prima para a fabricação do gás. E este saia por tubos subterrâneos até a primeira rua a contar com a nova iluminação, a Rua do Lavradio.
O solo criado corresponde atualmente às laterais do Canal do Mangue, da Leopoldina até a Central do Brasil. Com a construção do Canal do Mangue, drenagem da Lagoa da Sentinela e a construção de vias às margens do Canal, o eixo de deslocamento do Centro do Rio para o sentido norte da Cidade, principalmente no deslocamento da nobreza do Centro administrativo (Paço Imperial da Praça XV) para a Quinta da Boa Vista (Residência Imperial) foi mudado. Antes, o deslocamento da Corte se dava pela Ruas dos Barbonos (Evaristo da Veiga), Mata Cavalos (Riachuelo), Mem de Sá e a atual São Francisco Xavier. Um trajeto longo, sinuoso, com aclives. A mudança deste eixo colocou o bairro do Catumbi fora do circuito de luxo, iniciando-se a sua decadência que se acentuou no início do século XX. O Cemitério do Catumbi ainda abriga antigas sepulturas de nobres da corte que moravam no bairro.
Os deslocamentos de Centro para o Norte da Cidade, passaram a ser pelas ruas Direita (1o de Março), do Sabão (depois General Câmara), São Pedro e Largo do Capim. Estes três últimos logradouros foram demolidos (e mais de 550 construções, incluindo-se 3 igrejas) para a construção da Avenida Presidente Vargas.
A construção do Canal do Mangue mudou o eixo do deslocamento, mas não retirou do Centro do Rio a sua característica de centro administrativo da cidade e da capital do Império.
Para quem quiser ver os mapas que citei, os mesmos podem ser vistos no Plano Agache e existem cópias do mesmo na Biblioteca Nacional e no Arquivo da Cidade. Tive o prazer de vê-lo por duas vezes, uma por conta de um trabalho para a cadeira de sociologia, na faculdade, a exatos 40 anos atrás. E outra vez, por conta de um colega de trabalho de minha mulher que tinha uma cópia do plano, guardada com muito carinho, e isto foi há uns 11 ou 12 anos atrás. É uma boa coisa de se ver. Falarei mais dele.
Até o próximo capítulo.

Empilhamento de ônibus na Avenida Beira Mar - 11:00 em um dia de semana.

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