sábado, 19 de janeiro de 2013

ESTRANGEIRO NO SEU PRÓPRIO PAÍS (ou a "jabuticaba elétrica")






O brasileiro talvez seja o único povo do mundo que tem que usar adaptador de tomada em seu próprio país. Quem já viajou para o exterior, já se deparou com o problema de conectar um computador ou o carregador de celular quando chega ao seu destino, pois a tomada padrão até então usada no Brasil não serve na tomada do outro país. Se estivéssemos nos Estados Unidos, até que dava para se ajeitar com alguns tipos de equipamentos. Mas na Europa, e principalmente, no Reino Unido, não tem jeito.

A solução era passar no free-shop e comprar um kit de adaptador de tomadas multiuso, para diversos países.  Todo viajante frequente possui um kit destes em sua mala de viagem, para não perder tempo e dinheiro.

Com a adoção do novo padrão de tomadas brasileiro, ficamos reféns do uso de adaptadores em nossa própria terra. Ou seja, mais um exemplo do que falamos aqui no blog: O Estado x Cidadão (pagador de impostos). E, como o Brasil gosta de ser diferente, criamos nossa “jabuticaba elétrica”. Jabuticaba só tem no Brasil, idem nosso novo padrão de tomada.

Lembrei-me de minha época de faculdade (início dos anos 70), e de um livro que fez muito sucesso nesta época. Chamava-se A Ditadura dos Cartéis, escrito por Kurt Mirow. O autor era um empresário brasileiro que atuava na área de equipamentos pesados para o setor elétrico e que havia sucumbido na sua luta contra os gigantes que atuavam (e atuam) neste setor.   Como gosto de história e acho que o seu estudo ajuda a compreender o que ocorre no futuro, lembro-me de como Mirow descrevia a formações dos grandes grupos internacionais do setor de equipamentos elétricos, isto na virada do século XIX para o XX. Ele, no início do livro, mostrou como os cartéis elétricos se formaram, impulsionados por inventores e empresários como Edison e George Westinghouse (EUA), Werner Siemens (Alemanha), Elihu Thopson (inglês, radicado nos EUA, e fundador da Thomson - Alshtom da França) e Joseph Swan (Inglaterra). Cada país desenvolvido, para construir a sua indústria de equipamentos elétricos, apoiava suas indústrias nacionais e adotaram um conjunto de medidas, abrangendo padrões de tomada, voltagem e ciclagem. Fizeram isto, pois entendiam que, na época, ter uma indústria de equipamentos elétricos nacional era assunto estratégico. E também ajudavam cada cartel a blindar o seu mercado.

Aí, no nosso Brasil, 110 anos depois, resolvemos mudar o padrão de tomada, uma coisa totalmente fora de época e que só beneficia a indústria de equipamentos elétricos.

Uma das coisas mais curiosas foi um dos motivos usados como desculpa para tal medida, e a principal foi que o padrão de tomada anterior era inseguro, poderia dar choques nas pessoas. Engraçado, pois um monte de amigo meu quando eu comentava sobre o absurdo disto, e sobre o custo financeiro e social do mesmo – comentarei a seguir – as pessoas diziam: “Ah, mas dava choque”.  Alguém conhece uma pessoa que tenha morrido por conta do antigo padrão de tomada?

E mais ainda, por que não se adotou o padrão norte americano, pois todas as tomadas fabricadas no Brasil já eram de duplo uso (norte americano e brasileiro)? E mais paranoico por segurança que norte americano, acho que não existe mais ninguém.

De novo, a única conclusão que resta é: beneficiar a indústria eletroeletrônica.

O que sobra nisto tudo?  Algumas coisas interessantes, se não vejamos:

1 – A população brasileira, em sua maioria, ainda é pobre, e brasileiro independentemente de classe social ou intelectual gosta de uma gambiarra.
Todos irão trocar as tomadas de suas casas?  É óbvio que não e as gambiarras e adaptadores se proliferarão.

2 – Uma coisa técnica e chata. Não adianta dizer que o antigo padrão não era trifásico. Era. Sofri na pele quando construí minha casa (toda trifásica) e os peões da obra achavam que eu era no mínimo doido, pois gastei mais fiação, “Doutor, pra que isto? Basta ligar o neutro no positivo”. Olha a gambiarra aí. Mesmo assim, volta e meia descubro uma tomada deste jeito, quando estou descalço e a mão toma choque quando encosto em alguma superfície metálica do aparelho ligado. Vou lá e corrijo.

3 – Quem sofre com estas medidas é o pobre – mais uma vez o Estado contra o cidadão. Não vai trocar de tomada, vai fazer gambiarra e se ferrar. Em locais mais pobres e favelas, o número de incêndios por curtos circuito vai aumentar. Sugestão para dissertação de mestrado aos jovens, e quem se interessar, comece a coletar dados de estatísticas junto ao Corpo de Bombeiros de sua cidade.

Por fim, duas coisas, uma engraçada e outra séria. A engraçada é que durante a Rio Mais 20, uns amigos meus que trabalham em hotéis me disseram que nunca ouviram tantos palavrões em línguas estrangeiras de hóspedes, que entrando nos quartos e querendo recarregar celulares e notebooks, se defrontavam com a “jabuticaba elétrica”. Achavam que o exotismo era do hotel, e tome-lhe impropério. Os concierges sofreram atrás de milhares de adaptadores e tudo em 2 ou 3 dias. Quem adorou foram os camelôs, únicos fornecedores de adaptadores e dos padrões antigos para filtros de linha, por exemplo.

O lado sério da coisa é um fato que sempre bateremos neste blog – As medidas adotadas por governos, normalmente não levam em conta o custo para o cidadão. Também, quase sempre não há uma medição de custo x benefício para a sociedade.

Desta forma, o custo desta “jabuticaba elétrica”  é enorme para a sociedade, com benefícios reduzidíssimos, só beneficiando a indústria, sobrecarregando, mais uma vez a população brasileira, que é, em sua maioria, constituída de  pobres.

E para comemorar esta “jabuticaba”, temos uma tomada das antigas dando O Grito (Skrik) à moda de Edvard Munch.

PS - Passei Natal e Ano Novo em Londres e dei uma fugida de 3 dias em Paris. Onde andei, inclusive em free shops, ainda não existem kits de viagem com adaptadores para as nossas tomadas. Os concierges de nossos hotéis ainda vão aprender muitos palavrões em diversas línguas.

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