O brasileiro talvez seja o
único povo do mundo que tem que usar adaptador de tomada em seu próprio país.
Quem já viajou para o exterior, já se deparou com o problema de conectar um
computador ou o carregador de celular quando chega ao seu destino, pois a
tomada padrão até então usada no Brasil não serve na tomada do outro país. Se
estivéssemos nos Estados Unidos, até que dava para se ajeitar com alguns tipos
de equipamentos. Mas na Europa, e principalmente, no Reino Unido, não tem
jeito.
A solução era passar no free-shop e comprar um kit de adaptador
de tomadas multiuso, para diversos países.
Todo viajante frequente possui um kit destes em sua mala de viagem, para
não perder tempo e dinheiro.
Com a adoção do novo padrão
de tomadas brasileiro, ficamos reféns do uso de adaptadores em nossa própria
terra. Ou seja, mais um exemplo do que falamos aqui no blog: O Estado x Cidadão
(pagador de impostos). E, como o Brasil gosta de ser diferente, criamos nossa
“jabuticaba elétrica”. Jabuticaba só tem no Brasil, idem nosso novo padrão de
tomada.
Lembrei-me de minha época de
faculdade (início dos anos 70), e de um livro que fez muito sucesso nesta
época. Chamava-se A Ditadura dos Cartéis, escrito por Kurt Mirow. O autor era
um empresário brasileiro que atuava na área de equipamentos pesados para o
setor elétrico e que havia sucumbido na sua luta contra os gigantes que atuavam
(e atuam) neste setor. Como gosto de
história e acho que o seu estudo ajuda a compreender o que ocorre no futuro, lembro-me
de como Mirow descrevia a formações dos grandes grupos internacionais do setor
de equipamentos elétricos, isto na virada do século XIX para o XX. Ele, no
início do livro, mostrou como os cartéis elétricos se formaram, impulsionados
por inventores e empresários como Edison e George Westinghouse (EUA), Werner
Siemens (Alemanha), Elihu Thopson (inglês, radicado nos EUA, e fundador da
Thomson - Alshtom da França) e Joseph Swan (Inglaterra). Cada país desenvolvido,
para construir a sua indústria de equipamentos elétricos, apoiava suas indústrias
nacionais e adotaram um conjunto de medidas, abrangendo padrões de tomada,
voltagem e ciclagem. Fizeram isto, pois entendiam que, na época, ter uma
indústria de equipamentos elétricos nacional era assunto estratégico. E também ajudavam
cada cartel a blindar o seu mercado.
Aí, no nosso Brasil, 110
anos depois, resolvemos mudar o padrão de tomada, uma coisa totalmente fora de época
e que só beneficia a indústria de equipamentos elétricos.
Uma das coisas mais curiosas
foi um dos motivos usados como desculpa para tal medida, e a principal foi que
o padrão de tomada anterior era inseguro, poderia dar choques nas pessoas.
Engraçado, pois um monte de amigo meu quando eu comentava sobre o absurdo
disto, e sobre o custo financeiro e social do mesmo – comentarei a seguir – as
pessoas diziam: “Ah, mas dava choque”.
Alguém conhece uma pessoa que tenha morrido por conta do antigo padrão
de tomada?
E mais ainda, por que não se
adotou o padrão norte americano, pois todas as tomadas fabricadas no Brasil já
eram de duplo uso (norte americano e brasileiro)? E mais paranoico por
segurança que norte americano, acho que não existe mais ninguém.
De novo, a única conclusão
que resta é: beneficiar a indústria eletroeletrônica.
O que sobra nisto tudo? Algumas coisas interessantes, se não vejamos:
1 – A população brasileira,
em sua maioria, ainda é pobre, e brasileiro independentemente de classe social
ou intelectual gosta de uma gambiarra.
Todos irão trocar as tomadas
de suas casas? É óbvio que não e as
gambiarras e adaptadores se proliferarão.
2 – Uma coisa técnica e
chata. Não adianta dizer que o antigo padrão não era trifásico. Era. Sofri na
pele quando construí minha casa (toda trifásica) e os peões da obra achavam que
eu era no mínimo doido, pois gastei mais fiação, “Doutor, pra que isto? Basta
ligar o neutro no positivo”. Olha a gambiarra aí. Mesmo assim, volta e meia
descubro uma tomada deste jeito, quando estou descalço e a mão toma choque
quando encosto em alguma superfície metálica do aparelho ligado. Vou lá e
corrijo.
3 – Quem sofre com estas
medidas é o pobre – mais uma vez o Estado contra o cidadão. Não vai trocar de
tomada, vai fazer gambiarra e se ferrar. Em locais mais pobres e favelas, o
número de incêndios por curtos circuito vai aumentar. Sugestão para dissertação
de mestrado aos jovens, e quem se interessar, comece a coletar dados de
estatísticas junto ao Corpo de Bombeiros de sua cidade.
Por fim, duas coisas, uma
engraçada e outra séria. A engraçada é que durante a Rio Mais 20, uns amigos
meus que trabalham em hotéis me disseram que nunca ouviram tantos palavrões em
línguas estrangeiras de hóspedes, que entrando nos quartos e querendo
recarregar celulares e notebooks, se defrontavam com a “jabuticaba elétrica”.
Achavam que o exotismo era do hotel, e tome-lhe impropério. Os concierges sofreram atrás de milhares de
adaptadores e tudo em 2 ou 3 dias. Quem adorou foram os camelôs, únicos
fornecedores de adaptadores e dos padrões antigos para filtros de linha, por
exemplo.
O lado sério da coisa é um
fato que sempre bateremos neste blog – As medidas adotadas por governos, normalmente
não levam em conta o custo para o cidadão. Também, quase sempre não há uma medição
de custo x benefício para a sociedade.
Desta forma, o custo desta
“jabuticaba elétrica” é enorme para a
sociedade, com benefícios reduzidíssimos, só beneficiando a indústria,
sobrecarregando, mais uma vez a população brasileira, que é, em sua maioria,
constituída de pobres.
E para comemorar esta
“jabuticaba”, temos uma tomada das antigas dando O Grito (Skrik) à moda de Edvard
Munch.
PS - Passei Natal e Ano Novo em Londres e dei uma fugida de 3 dias em Paris. Onde andei, inclusive em free shops, ainda não existem kits de viagem com adaptadores para as nossas tomadas. Os concierges de nossos hotéis ainda vão aprender muitos palavrões em diversas línguas.
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