terça-feira, 25 de junho de 2013

PÍLULAS DO DIA


Algumas observações sobre o dia de hoje (25.6.2013), e todas tem ligações com nossa infra estrutura.
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Andando pela Rua do Carmo, hoje de manhã, ouço uma ambulante falar para o ambulante da barraca ao lado: “Será que esta lei é pra valer?” É, só no Brasil que lei não é pra valer, e até camelôs já discutem se as leis são pra valer ou não. Sinal dos tempos.
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Seguindo depois de ouvir isto, observo que todos os bancos ao longo da minha caminhada até o escritório estão com aqueles tapumes de vidros que eles só colocavam no feriadão do Carnaval. Todos já estão devidamente “santificados” com adesivos de “xerox a R$ 0,07”, “trago a mulher amada em 3 dias”, “travesti quase mulher”. Espaço público é, aparentemente, espaço livre e cidade suja.
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Mais cedo, na Av. Beira Mar (que já não beira o mar há pelo menos uns 50 anos), vejo que os meus temores se confirmaram. Que o depósito de ônibus que a Prefeitura ali estabeleceu, virou uma zorra. Hoje, parado em um sinal, vi que tinha um ônibus fazendo fila tripla. O motorista do carro ao lado começou a esmurrar o ônibus. Abriu o sinal, e todos, sem exceções, esmurraram o ônibus. Olha a “Maria Antonieta” aí!!!! Ninguém aguenta mais esta bagunça dos ônibus no Rio. Mas nossas autoridades nos mandam comer bolos. E os comentários na série de "A opção pelos ônibus" lidam com isto.

domingo, 23 de junho de 2013

A OPÇÃO PELOS ÔNIBUS – 2 (ou o Centro do Rio não mudou de lugar)


Esta série de artigos procura mostrar que todas as mudanças de rotas de tráfego efetuadas no Centro do Rio e no seu entorno visaram a melhorar os acessos ao mesmo. E como a geografia (e a história da construção do Centro)do Rio só permite que o Centro do Rio tenha dois acessos: um pelo lado norte e outro pelo lado sul. E vamos mostrar que esta lógica de deslocamentos usando transporte de massas se manteve até recentemente. Lógica esta que foi rompida nos últimos 10 anos.
E vamos à nossa história e geografia do Rio. No post anterior, vimos que a primeira intervenção nos acessos ao Centro do Rio se deu pelo seu lado norte, com a construção do Canal do Mangue. Após esta construção, o Centro da cidade se espraiou para estes lados.
E tal se manteve até o período entre os anos de 1905 e 1910, onde diversas intervenções ocorreram. Neste período, foram construídos o novo cais do Rio de Janeiro, com os aterros sacos da Saúde e da Gamboa e da enseada de São Cristóvão, que abrigavam as antigas instalações portuárias que eram dispersas. Retificado o litoral, prolongou-se o Canal do Mangue até a borda do novo porto, ficando esta parte do Rio com a silhueta que possui até hoje. Estas obras possibilitaram a abertura das Avenidas Francisco Bicalho e Rodrigues Alves. Ou seja, melhoraram-se os acessos ao Centro do Rio pelo seu lado norte.
Ao mesmo tempo, em 1906 era inaugurada a Av. Central, atual Rio Branco, ligando a área do novo cais até a entrada sul do Centro do Rio, no que hoje é a Av. Beira Mar. Como a Av. Central era de mão dupla, a circulação do Centro ficou facilitada, nos dois sentidos sul – norte. E logo após, em 1911, foi demolido o Convento de Nossa Senhora da Conceição (ou Convento da Ajuda), abrindo-se o espaço para a construção da Cinelândia e, principalmente, possibilitando que a rua Senador Dantas se prolongasse até ao Passeio Público, melhorando-se os acessos pelo lado sul do Centro.
A Light entra em cena
Abro agora um parênteses para falar de planejamento urbano feito por uma empresa de transporte de massas. A Light, à época uma empresa canadense, tinha recém consolidado as diversas concessões de bondes que existiam no Rio de Janeiro desde meados do império. E com a eletrificação das linhas a partir de 1892, o bonde passou a ser o meio de transportes de massa para a população do Rio. Foram quase 500 km de linhas por toda a cidade, em um sistema integrado e com sistemas isolados na Ilha do Governador, Campo Grande – Guaratiba e Campinho - Jacarepaguá. Para quem não sabe, em 1960 você poderia ir do Leblon a Jacarepaguá, de bonde, com pequenas caminhadas entre o Largo da Carioca e o Largo de São Francisco e entre Cascadura e Campinho.
E é bom lembrar que, por volta de 1910, o grupo canadense controlador da Light consolida a posição de único provedor de serviços públicos no Rio, sendo a provedora de energia (Light), dos transportes públicos de massa (Cia. Carris Jardim Botânico), dos serviços de telefonia (Cia. Telefônica Brasileira – CTB) e dos serviços de gás canalizado (S.A. du Gaz), ficando de fora somente os serviços de água e esgoto que eram de uma empresa inglesa (City Improvements). É bom lembrar que toda a expansão imobiliária que se verificou no Rio de Janeiro (capital do País) nos anos 1920 contou com o planejamento da Light, principalmente na ocupação de Copacabana, Leme, Ipanema e Leblon. Os diversos loteamentos foram entregues com transporte público, iluminação, luz elétrica e facilidades de telefonia.
 
Bonde na Rua Barata Ribeiro, vendo-se o bonde, postes de iluminação pública, de energia elétrica e de telefonia.

A Demolição do Morro do Castelo e o Plano Agache
Em 1920, visando a ter-se uma área na qual pudesse ser alojada a exposição internacional comemorativa dos 100 anos da independência do Brasil e, também, para aumentar a circulação dos ventos no Centro da Cidade, é demolido o Morro do Castelo, local de onde a cidade começou a ser implantada. O material do desmonte do Morro do Castelo foi usado em 2 grandes aterros. O primeiro aterro resultou no que hoje é o quarteirão entre as avenidas Franklin Roosevelt, Presidente Wilson e Beira Mar, acrescido da área que hoje é a Praça Paris, mais o Largo da Glória. Aterrou-se também o que é hoje o Aeroporto Santos Dumont e o Trevo dos Estudantes.
O outro aterro foi uma área de manguezal nas bordas da Lagoa Rodrigo de Freitas, conhecidas com Saco e Saquinho, possibilitando a construção da Praça Santos Dumont e do Jockey Clube Brasileiro.
Voltando ao Centro da Cidade, ampliaram-se as áreas de acesso ao Centro pelo seu lado sul, mas não se alterou a dinâmica dos acessos pelo sul e norte, dinâmica esta que permanece até hoje.
Em 1927, a Prefeitura do Rio contrata o urbanista francês Alfred Hubert Donat  Agache para elaborar um plano diretor para a cidade. Este plano privilegiou a circulação da cidade baseada em transportes de massa baseados no trilho e na ligação aquaviária com a cidade de Niterói. Produziu diversas recomendações para a ocupação das áreas conquistadas pelo desmonte do Morro de Castelo e dos aterros decorrentes. A obra mais conhecida e visível é o conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça Paris e do Largo da Glória.
Ao final dos anos 1920, o Centro da cidade do Rio de Janeiro é de uma cidade de padrão europeu, mas mantendo seus acessos pelo sul e pelo norte. Os transporte de massas são os bondes e os trens dos ramais da Central do Brasil e da Leopoldina.
O acesso sul ao Centro se dá por bonde, cujo terminal fica no Edifício Avenida e Galeria Cruzeiro. Os bondes vindos da Zona Sul acessavam o Centro pela Av. Augusto Severo, Rua do Passeio, Rua 13 de Maio e Largo da Carioca, retornando à Zona Sul pela Rua Senador Dantas e percorrendo as mesmas ruas do acesso.
O acesso norte ao centro se dá pela Rua General Câmara (antiga Rua do Sabão), entrando na Avenida Passos e fazendo retorno pela Praça Tiradentes. Os acessos à Zona Norte e Subúrbios se dividiam na Praça da Bandeira. Havia também uma linha de bondes que na altura da Cinelândia, em frente ao Cinema Odeon, seguia pela Rua de Santa Luzia e atingia Praça Mauá e a Gamboa, pela Rua 1o de Março.
Este cenário nos deslocamentos de toda a cidade para o Centro da mesma se manteve enquanto as linhas de bonde existiram no Rio. As mesmas começaram a ser extintas a partir de 1962 (Zona Sul) e em 1967 os últimos bondes deixaram de circular no Rio.
A única alteração no que descrevi fui a demolição do Hotel Avenida e Galeria Cruzeiro, perdendo os bondes da Zona Sul o seu terminal. Para isto, em 1955, foi construído o Tabuleiro da Baiana.
Por mais que se expandissem as vias de acesso, a sua dinâmica não se alterou e o Centro do Rio não se expandiu. Foi se verticalizando.
No último capítulo desta trilogia, descreverei como esta lógica foi desfeita a partir dos anos 1980.
Hotel Avenida na Av. Rio Branco, com um bonde vindo da Zona Sul entrando no terminal. 


O terminal do Tabuleiro da Baiana, e ao fundo o Morro de Santo Antônio. Neste local, hoje passa a Avenida Chile, e no local do morro temos a sede da Petrobras, o BNDES, a Catedral e outros prédios comerciais.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A OPÇÃO PELOS ÔNIBUS (ou a “cegueira” de Maria Antonieta)


Este é um post que está pronto há muito tempo, faz parte do estoque de ideias para o blog desde o ano passado. Volta e meia dou uma arrumada nele, mas o estouro da boiada dos últimos dias me fez revê-lo e coloca-lo no ar.
Vai ser uma série de 2 ou 3 comentários para que os mesmos não fiquem muito extensos ou cansativos para nossos leitores.
Colocando de lado os protestos dos últimos dias em diversas cidades e sem entrarmos nas divagações que pululam em TVs, rádios e jornais sobre os reais motivos dos protestos e sobre o que está por trás deles, o que fica visível e patente é que ninguém (aqueles que andam de ônibus nas grandes cidades) aguenta mais ficar de 4 a 5 horas por dia dentro de um ônibus, nos deslocamentos para o seu trabalho.
E, como sou carioca, vou citar o exemplo do Rio de Janeiro, cidade que, por sucessivas administrações, sejam de Prefeitos e Governadores do estado, vêm reafirmando a opção por ônibus como meio de transporte de massas.
Vou agora relatar um fato que, em virtude dos últimos acontecimentos, pode ter passado despercebido. No dia 12.06 último (antes do início dos protestos contra os aumentos dos ônibus), houve um debate no IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil, do Rio de Janeiro, com a presença do Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro. Neste debate foram discutidas opções de transporte de massa para o Centro do Rio, e principalmente a discussão de corredores de ônibus BRT Deodoro  - Centro e o VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), para o Centro. E a ideia é que os dois modais disputem espaço (e público) cruzando pela Rio Branco e Primeiro de Março.
O mais engraçado disto tudo é que 2 ou 3 dias após, o consórcio que ganhou a concessão para implantar as linhas de VLT no Centro do Rio, publica no Globo anúncio de página inteira exaltando as excelências de seu sistema. Para mim, e como ninguém gasta página inteira de jornal com anúncio à toa, foi uma nítida defesa de seu espaço e de seu mercado para o produto que vai implantar. Ou seja, a opção pelo ônibus ainda ronda o centro da cidade do Rio, já tão poluído e saturado.
Fora o aspecto da total falta de planejamento e de integração de modais de nosso transporte público.
Os comentários que farei a seguir são fruto de observação empírica de quem, dia sim outro também, vai ao centro da cidade do Rio para trabalhar. O Rio de Janeiro, nos últimos 10 anos, virou garagem de ônibus das 10:00 às 16:00 hs, desde a Glória até a estação da Central do Brasil.
Das cidades do mundo que conheço, o Rio é, sem sombra de dúvidas, a única que tem ponto final de ônibus dentro de seu centro nevrálgico. Nem São Paulo, que tem um trânsito complicado, mas ordenado, tem isto.
Como já escrevi, vou escrever mais uns 3 posts explicando porque o Centro do Rio não pode ter ônibus circulando pelo mesmo, e porque o VLT ainda é a melhor opção para termos um centro de cidade mais humano, com ar menos poluído e sem muito barulho. Para isto vou usar coisas que gosto, ou seja, história e geografia, e mais a minha memória.
Vamos lá. O Rio de Janeiro tem uma geografia complicada para uma cidade, atualmente. Foi útil no passado remoto, com seus morros e uma baía com uma entrada apertada. Era uma cidade de fácil defesa, entrada de barra apertada com 2 fortes e diversas colinas e morros a beira mar, que também poderiam ser fortalecidos. Mas isto vira uma dificuldade quando se tem em cima disto uma população de 6 milhões de habitantes.
Além disto, as praias eram poucas, e o litoral era constituído de diversas reentrâncias, cobertas por manguezais. A cidade se estabeleceu no Morro do Castelo, e espraiou-se no sentido norte, começando a crescer por onde hoje é a Praça XV e as Rua 1o de Março, São José e Assembleia. E por razões históricas e sociais, o centro do Rio ainda se encontra no mesmo lugar, praticamente onde estava na virada dos séculos XVI para XVII.
A cidade, para quem olhar um mapa do Rio do início do século, vai reparar que a cidade do Rio tinha (como ainda tem) duas ou três entradas pelo lado Norte e, duas entradas pelo lado Sul. E se repararmos que o traçado das ruas – exceto o que descreverei nos artigos a seguir – é exatamente o mesmo do início do século XX, vemos que colocar corredores de ônibus pelo Centro é, no mínio, agir como Maria Antonieta. Dizem que ela não falou a célebre frase atribuída a ela, aquela do “não tem pão, comam bolos”. Mas colocar mais ônibus no centro do Rio e concorrendo com um VLT (será que sai mesmo?), é uma doideira.
As intervenções na geografia do Centro Rio, nos seus acessos e na sua malha viária foram muitas. Mas os fluxos dos deslocamentos, apesar das intervenções feitas, se mantiveram.
A primeira grande intervenção no Centro do Rio se deu quando o Barão de Mauá ganhou a concessão para colocar a iluminação a gás no Rio. Ele, para economizar na tubulação de gás, precisava colocar a usina de gás perto do Centro do Rio e em um terreno de custo muito baixo. O terreno encontrado situava-se em pleno um manguezal, que hoje é o Canal do Mangue, feito pelo Barão. Para quem não sabe, a região do atual Canal do Mangue era um tremendo manguezal que vinha desde a atual Estação da Leopoldina e vinha até a atual Estação da Central do Brasil. O Barão de Mauá drenou o manguezal (Pantanal de São Diogo) e uma lagoa (da Sentinela, atual Largo do Estácio), canalizou a água e, além de criar solo para a sua central de gás, criou o acesso das barcaças que transportavam o carvão importado, matéria prima para a fabricação do gás. E este saia por tubos subterrâneos até a primeira rua a contar com a nova iluminação, a Rua do Lavradio.
O solo criado corresponde atualmente às laterais do Canal do Mangue, da Leopoldina até a Central do Brasil. Com a construção do Canal do Mangue, drenagem da Lagoa da Sentinela e a construção de vias às margens do Canal, o eixo de deslocamento do Centro do Rio para o sentido norte da Cidade, principalmente no deslocamento da nobreza do Centro administrativo (Paço Imperial da Praça XV) para a Quinta da Boa Vista (Residência Imperial) foi mudado. Antes, o deslocamento da Corte se dava pela Ruas dos Barbonos (Evaristo da Veiga), Mata Cavalos (Riachuelo), Mem de Sá e a atual São Francisco Xavier. Um trajeto longo, sinuoso, com aclives. A mudança deste eixo colocou o bairro do Catumbi fora do circuito de luxo, iniciando-se a sua decadência que se acentuou no início do século XX. O Cemitério do Catumbi ainda abriga antigas sepulturas de nobres da corte que moravam no bairro.
Os deslocamentos de Centro para o Norte da Cidade, passaram a ser pelas ruas Direita (1o de Março), do Sabão (depois General Câmara), São Pedro e Largo do Capim. Estes três últimos logradouros foram demolidos (e mais de 550 construções, incluindo-se 3 igrejas) para a construção da Avenida Presidente Vargas.
A construção do Canal do Mangue mudou o eixo do deslocamento, mas não retirou do Centro do Rio a sua característica de centro administrativo da cidade e da capital do Império.
Para quem quiser ver os mapas que citei, os mesmos podem ser vistos no Plano Agache e existem cópias do mesmo na Biblioteca Nacional e no Arquivo da Cidade. Tive o prazer de vê-lo por duas vezes, uma por conta de um trabalho para a cadeira de sociologia, na faculdade, a exatos 40 anos atrás. E outra vez, por conta de um colega de trabalho de minha mulher que tinha uma cópia do plano, guardada com muito carinho, e isto foi há uns 11 ou 12 anos atrás. É uma boa coisa de se ver. Falarei mais dele.
Até o próximo capítulo.

Empilhamento de ônibus na Avenida Beira Mar - 11:00 em um dia de semana.