Está no nosso DNA ser
patrimonialista. Já comentei aqui no blog que o brasileiro gosta de patrimônio,
de ativo fixo. Ou seja, focamos muito no hardware e esquecemos que existe o
software, aquilo que faz o hardware ganhar vida, se mexer. No senso amplo, o
software são as pessoas que operam as máquinas.
As duas histórias a seguir são
bem recentes e entre a tristeza e o tremendamente hilariante. A hilária é digna
do Monty Python e imagino ela representada por John Cleese e Michael Palin.
A Tragicomédia
A primeira, a história
tragicômica, começou com um pedido de ajuda de um amigo de infância, por
e-mail, sobre o problema dele com a Receita Federal. Ele tinha que fazer uma
declaração retificadora e o programa da receita teimava em não baixar. Era o
programa que ajuda a emitir o DARF, pois ele tinha que fazer um recolhimento
adicional. Falei para ele ir a um posto da Receita, para tentar resolver o
assunto. Era terça feira, semana meio morna com os feriados papais, e ele ao
chegar no posto, foi informado por quem o atendeu, que era melhor ele ir ao
Centro da Cidade, para resolver por lá, no prédio do Ministério da Fazenda. O
meu amigo chiou, rodou a baiana, e uma alma caridosa falou para ele que iria
atende-lo. Mas... a máquina de emitir senhas estava quebrada, e depois de
muitas conversas, emitiram uma senha a mão – tragicomédia, não acham?
Pelo menos, meu amigo saiu
mais ou menos satisfeito com o atendimento. Mas reparem que software, neste
caso os funcionários do posto da Receita, estão mal treinados sobre o que é um
funcionário público. Precisou do amigo mandar uma bronca e um outro funcionário
atende-lo, como se fosse um favor pessoal. Falha do software. E o hardware da
Receita, volta e meia implica com o pessoal que usa Mac, e adota o browser
Safari. Aliás, um monte de banco também implica com o Safari e insiste que você
use Firefox. E por que, já que o Safari já vem com o Mac?
O Puro Non-sense do Monty Python
Um outro grande amigo é um
advogado, que me contou uma doideira digna dos cômicos britânicos já citados,
do qual sou um grande fã. Ele estava com um processo na área trabalhista e
sabedor que o TRT do Rio implantou recentemente o processo eletrônico, resolveu
experimentar a coisa.
Esclareço o que é um processo
eletrônico, para os que não são da área. O processo eletrônico pretende abolir
aquela papelada dos processos que entulham nossos tribunais. O advogado se
cadastra como usuário do sistema, e envia os processos para o tribunal de
maneira digital, escaneando documentos, petições, etc. E acompanha os mesmos
via eletrônica.
Pois bem, o amigo preparou a
petição, provas e escaneou tudo e colocou no sistema do Tribunal. O processo
foi distribuído para uma Vara e ganhou número. No dia seguinte, o amigo para
checar se foi tudo correto, entrou no sistema e para sua surpresa viu que o
mesmo já tinha um despacho. Animou-se, pois pensou: “É, esta coisa realmente
funciona, e agilizou a justiça”.
Foi ler o despacho e o no
mesmo constava que estavam com dificuldade de ler o material enviado, por falta
de nitidez. O meu amigo assustou-se e foi ver o processo via internet. Estava
lá tudo claro como água.
Chateado, foi ao Tribunal,
pois se usava o processo eletrônico, não contava com esta ida ao local. Só
esperava ir lá no dia da audiência a ser marcada. Chega lá, vai na secretaria
da Vara e pede para falar com alguém da secretaria que lançou o despacho do
Juiz. A pessoa que lançou o despacho mostra na tela do computador que tudo
estava muito pequeno e quase ilegível.
O meu amigo quase caiu pra
trás, e se segurou para não morrer de rir. O sistema implantado usa um leitor
de PDFs bem conhecido e como qualquer software de leitura pode aumentar o
texto, via um local apropriado na barra de ferramentas do software. No caso da
pessoa do tribunal, o leitor estava em 20%. O meu amigo mostrou para a pessoa
que ela poderia aumentar, para 100%, por exemplo. A pessoa quase caiu para
trás, ante tal maravilha da tecnologia!!!
Resolvido este problema de
grande tecnologia, meu amigo achou que o problema estava resolvido. Mas, isto é
Brasil, terra onde o non-sense impera. O atendente fala que, como já havia um
despacho dizendo que o processo estava ilegível, ele teria que contra
peticionar nos autos para esclarecer o problema.
Meio que na galhofa, meio
chateado, meu amigo peticionou explicando e dando uma aula de como o software
de leitura de PDFs funcionava, fazendo um manual de operação.
Não acham que esta história dá
inveja ao pessoal do Python?
Digam-me: Isto não é um primor
de maluquice e de falta de treinamento, de quem recebe, via impostos, uma grana
preta para funcionar bem, e treinar todos que lá trabalham? Hardware bom e
software sofrível.
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Ambas histórias são exemplos
de mal funcionamento de nosso software do setor público. Investimos em máquinas
e equipamentos, mas não treinamos quem vai operá-los. Perda de nosso tempo e da
eficiência geral. E isto é feito com o dinheiro de nossos impostos.