sábado, 18 de agosto de 2018

BULLYING TELEFÔNICO *

Na semana passada, ouvindo uma rádio de notícias quando dirigia na cidade, prestei atenção em uma notícia, onde os jornalistas âncoras da manhã discutiam sobre o incômodo que aposentados sofriam com ofertas de crédito consignado por telefone.
A maior parte dos ouvintes aposentados que enviavam mensagens para a rádio mencionando o fato que, ao dar entrada na aposentadoria no INSS, imediatamente passavam a receber ligações telefônicas de bancos e financeiras oferecendo dinheiro mediante empréstimos.
Imediatamente, tive empatia com estas pessoas, pois no ano passado, finalmente decidi dar entrada em meu pedido de aposentadoria no INSS e passei a receber tais ligações em minha residência. Só não fui importunado por este verdadeiro bullying porque, imediatamente após ao pedido de aposentadoria, viajei para Portugal, e, quem sofreu o assédio foi a pessoa que contratei para manter a casa em ordem durante minha ausência. Esta me reportou as inúmeras ligações diárias que atendia, todas me oferecendo grana.
Na reportagem da rádio, um determinado banco era citado como o que mais importunava os candidatos a aposentados. O banco foi contatado pelos repórteres e alegou não ter nada a ver com a situação relatada. Os repórteres, também, levantaram o fato do sigilo entre cidadão e o INSS, obviamente não mantido pelo INSS. E, se perderam em conjecturas sobre como tal sigilo era rompido e sobre quem ligava para os aposentados.
Como conheço um pouco sobre o sistema financeiro nacional, e para qualquer conhecedor do mesmo, fica óbvio sobre quem faz as ligações. São os correspondentes bancários, figura regulamentada pelo Banco Central, e que faz parte, portanto, do Sistema Financeiro Nacional.
Esta figura, existente em todo o mundo, começou a ser regulamentada no Brasil a partir de 2000. A Resolução BCB 3.110, de julho de 2003, passou a normatizar o funcionamento destes correspondentes bancários. E desde então, diversas resoluções vêm aprimorando o funcionamento dos correspondentes. No assunto em questão, o assédio telefônico dos aposentados, duas resoluções são importantes . A Resolução 3.954 (fevereiro/2011) estabelece no seu Artigo 2º que a instituição bancária contratante do correspondente é a responsável pelo atendimento prestado pelo correspondente, e mais ainda, deve zelar pela integridade e sigilo das operações realizadas por seu correspondente contratado. Esta resolução em seu Artigo 4º diz que a entidade contratante do correspondente deve verificar a existência de algo que desabone o correspondente contratado.
Outra resolução do Banco Central, a de nº 3959, permite que a instituição financeira contratante pode contratar correspondente bancário por ela controlada, ou seja, pode existir correspondente bancário cujo proprietário é a própria instituição contratante.
Pelo que pesquisei nas normas, a resposta dada pelo banco mais citado pelos ouvintes aposentados da rádio, não cabe. A resposta foi um verdadeiro “passa moleque” nos repórteres, minha opinião, claro...
E ficou no ar, para mim, sobre como este sigilo entre aposentado e órgão público, não foi mantido.
De novo, sou de opinião que INSS, a DATAPREV (preposta do INSS no processamento das informações de aposentadorias) e o Banco Central deveriam se pronunciar sobre o assunto. É inadmissível que os cidadãos, que sustentam com seus impostos o funcionamento desta máquina, sejam importunados desta maneira.
Opino sobre isto, porque consigo ver uma diferença brutal na forma de tratamento destes assuntos entre Brasil e Comunidade Europeia. Entrou em vigor no final de maio deste ano, a nova norma europeia para o tratamento de dados (eletrônicos e por outros meios) de cidadãos da Comunidade, ou que tenham relações com a mesma (meu caso). Desde o início do ano, como sou residente temporário em Portugal, passei a receber e-mails de órgãos de governo, de bancos, de lojas em que fiz alguma compra, de escritórios de advocacia e contabilidade com qual mantenho relações profissionais, diversos profissionais, todos, sem exceções, pedindo-me para confirmar dados pessoais e solicitando autorização expressa minha para continuar a me enviar correspondências por e-mail, ou outro meio eletrônico. Também, todos foram textuais em afirmar a manutenção do sigilo de meus dados, e se submetendo às eventuais penalidades legais, caso tal fosse descumprido. Lembremos que, no vigor desta nova norma, Google e Facebook já foram processados e receberam pesadas multas pelo não cumprimento das mesmas. Já aqui em Terra Brasilis, o papo ainda é outro, mas deveria ser mudado.

* Publicado no Jornal do Brasil em 18.08.2018

segunda-feira, 30 de julho de 2018

ALGUNS LIVROS PARA ENTENDER PORTUGAL *

Com essa onda que transformou Portugal no destino preferido do mundo, é bom sempre entender como é o povo português, como pensa, enfim como é a sua psique.
Essa preferência por Portugal está tão grande, que um amigo que retornou de lá há poucos dias, me falou que tinha a impressão de estar na França, tal a quantidade de franceses nas ruas de Lisboa, do Porto e em outros locais que ele visitou.
Acredito que a melhor maneira de entender como um povo pensa e age é através do estudo da história da formação deste povo, como o seu caráter foi moldado e de como ele reagiu às adversidades ao longo do tempo. Desta forma, recomendo alguns livros que poderão ajudar a quem está pensando em passar férias ou mesmo uma temporada em Portugal. Para as férias, acho que isto é uma excelente forma de pesquisa para que locais visitar. E vamos aos livros:
1)            A Primeira Aldeia Global, Martin Page – Este jornalista inglês escreve uma história de Portugal desde os celtas e os romanos e vem até os dias de hoje. Com um texto bem jornalístico, é livro de fácil leitura. É o meu livro guia sobre Portugal, pois foge do academicismo da maior parte dos livros de história. Já citei este livro em alguns de meus textos aqui no JB.
2)            Portugal – Saído das Sombras, Neill Lochery – Historiador inglês que escreveu uma excelente trilogia sobre Portugal. Este é o terceiro livro, que retrata Portugal de 1974, ano em que terminou o Salazarismo, através da Revolução dos Cravos, até os dias atuais. É bom ler a trilogia dele, que começa com Lisboa 1939-1945, a Guerra nas Sombras e Lisboa – 1933 – 1974 – A Cidade Vista de Fora. Esta trilogia é essencial para se entender o Portugal atual.
3)            História Não Oficial de Portugal, Luís Almeida Martins – Este jornalista português fez um bom livro, na mesma onda em que alguns jornalistas brasileiros fizeram sobre a nossa história. Conta, além dos fatos normais da história, alguns casos interessantes, que ficaram fora da história oficial.
4)            As Rainhas de Portugal, Francisco da Fonseca Benevides – Vê a história de Portugal pelo olhar das mulheres que sempre estiveram por trás dos reis portugueses.
5)            Portugal Visto pela CIA, Luís Naves – Através de uma excelente pesquisa nos arquivos oficiais dos EUA, o autor descreve a visão da CIA sobre Portugal, no período dos fins dos anos 40 até meados dos anos 80 do século XX. Interessante sob o ponto de vista de uma visão externa sobre o país, o olhar estrangeiro.
6)            Portugal Visto de Fora, Pierre Léglise-Costa – Mais um livro com a visão do estrangeiro sobre como Portugal é visto pelo mundo, e é interessante pois o autor vai desmistificando alguns clichês sobre o povo português.
7)            Os Portugueses, Barry Hatton – O autor, inglês, mora em Portugal há mais de 25 anos. Uma excelente análise crítica sobre a cabeça do português. E, para nós brasileiros, uma aula de como a nossa cabeça se formou. Muitas similitudes e algumas diferenças fundamentais e profundas. É livro para brasileiro ler, olhando-se no espelho.
A maior parte destes livros, com exceção dos 2 primeiros da trilogia do Neill Lochery, não foi editada no Brasil. Para quem se interessar, eu fiz uma pesquisa e quase todos estão disponíveis no formato de e-book.
E para terminar, existe um outro livro que não aborda diretamente Portugal nem o seu povo. Mas foi escrito por um brasileiro, publicitário, que reside em Portugal há mais de 25 anos, e é um publicitário de sucesso por lá. Para fazer publicidade é necessário conhecer a psique do receptor da mensagem. E isso o brasileiro Edson Athayde conhece muito bem. O livro é A Publicidade Segundo Meu Tio Olavo, livro interessantíssimo mesmo para quem não é da área. Esse livro consegue-se comprar no Brasil.
Boa leitura a todos.


* Publicado no Jornal do Brasil em 30.07.2018

domingo, 22 de julho de 2018

ANEEL PRECISA SE MANIFESTAR PARA RESOLVER IMPASSE DA ELETROBRÁS *



As recentes decisões do judiciário brasileiro em suspender as privatizações concessionárias estaduais de energia elétrica têm um aspecto interessante a ser considerado.
Antes de comentarmos este aspecto, os autores deste artigo esclarecem que são a favor destas privatizações (e de outras), desde que os aspectos legais e de regulação, de equilíbrio entre os entes públicos e de transparência sejam devidamente observados.
Essas empresas se encontram sob o controle da Eletrobras, na sua maior parte desde os anos noventa, quando os estados que as controlavam, transferiram o seu controle para a União, mediante o recebimento de adiantamentos por conta de suas privatizações.
Atualmente, encontram-se com suas concessões em regime temporário, e por decisão de assembleia de acionistas da Eletrobras no final de 2017, as mesmas deveriam ser privatizadas até o final deste mês de julho. Caso não fossem privatizadas, as mesmas teriam suas atividades encerradas, e a operação do serviço de distribuição de energia seria interrompido, caso o poder concedente não renovasse temporariamente a concessão e fornecesse os devidos recursos para a operação.
É importante lembrar que todas estas empresas, exceção feita à Amazonas Energia, vêm apresentando péssimos serviços aos seus clientes, com grandes interrupções no fornecimento de energia, segundo do ranking do Desempenho Global de Continuidade (DGC), elaborado pela Aneel, a agência reguladora do setor.
Em função da decisão do Supremo Tribunal Federal, a Eletrobras está convocando assembleia extraordinária para decidir sobre a continuidade temporária dos serviços.
Neste imbróglio, chama a atenção o caso particular da Ceal, que possui créditos a receber da União, remanescentes da entrega do controle acionário da empresa, discussão objeto de demanda judicial.
Esta demanda judicial, movida pelo estado de Alagoas, prende-se ao fato de que este estado, quando entregou o controle da Ceal à União (em 1998), que por sua vez transferiu as ações e a administração da empresa para a Eletrobras, recebeu um adiantamento pela venda das ações.
Quando a empresa fosse privatizada, lá em 1998, do valor apurado no leilão seria deduzido o adiantamento e o valor restante transferido ao estado de Alagoas. Como o leilão não teve lances, a empresa não foi privatizada desde então, restando uma dívida da União (via Eletrobras) com o estado de Alagoas.
O mais interessante acontece a partir de 2011, pois, através de uma auditoria do Tribunal de Contas da União, verifica-se que a Eletrobras quitou com a União os valores que esta pagou aos estados que transferiram suas distribuidoras à mesma entre 1996 e 1998. E pagou usando recursos de um fundo setorial administrado por ela própria Eletrobras. Tal fato foi considerado indevido por auditoria do TCU.
Mais ainda, em 2017 a Eletrobras em comunicado ao mercado, menciona que irá recompor ao fundo setorial (RGR) valores que usou indevidamente, conforme alertado pela agência reguladora.
Ou seja, apresenta-se uma privatização que possui alguns vícios de origem que ainda não foram devidamente sanados, para que o processo cumpra-se dentro dos melhores rigores de governança e transparência.
Neste cenário, entendemos ser determinante a participação efetiva da agência reguladora, usando o seu poder de assegurar o devido cumprimento das normas setoriais, e para que seja assegurada e melhorada a prestação dos serviços nas regiões afetadas por estas distribuidoras.
Esta participação evitará a intervenção nas empresas, fato permitido pela Lei 12.767/2012, que além de permitir ao regulador indicar os administradores, bloqueará bens dos atuais administradores das empresas e da empresa controladora, a Eletrobras.
E é bom lembrar que o regulador já possui experiência em caso semelhante, a intervenção no Grupo Rede, ocorrida em 2012.
José Roberto Afonso é economista, e professor do IdP e do IbRE/FGV
Maurício Aquino é contador e diretor da Praxis brasil Consultoria

* Publicado na Folha de São Paulo em 14.07.2018

quinta-feira, 5 de julho de 2018

DESESTATIZAÇÃO DA ELETROBRÁS: Espera-se o resgate do bom senso

O assunto CEAL foi analisado por mim e pelo José Roberto Afonso em um artigo que saiu publicado no prestigiado site PODER 360. Este site reúne um time de jornalistas, analistas políticos e analistas de economia de primeira categoria.

Para quem quiser se aprofundar na questão, clique no link abaixo.


https://www.poder360.com.br/opiniao/economia/desestatizacao-da-eletrobras-espera-se-o-resgate-do-bom-senso/

terça-feira, 3 de julho de 2018

NÃO SE PRIVATIZA ESQUELETO *

Os governos no Brasil têm uma compulsão atávica em criar esqueletos no armário. São tantos, a maior parte deles na área econômica, que às vezes perdemos a conta. Polonetas, depósitos compulsórios de diversas ordens (o das viagens ao exterior, alguém lembra dele?), e sempre cabendo mais um esqueleto nesse armário.
O recente caso das Centrais Elétricas de Alagoas – CEAL é mais um deles, pois arrasta-se  há mais de 20 anos. Rememorando o assunto, vamos a 1996, quando a maior parte dos estados brasileiros estavam quebrados. O Plano Real havia interrompido a farra inflacionária e com taxas de inflação mais civilizadas, não se podia mais usar a alta inflação como mecanismo de financiamento.
O Governo Federal, inteligentemente, propôs aos estados que lhe entregassem suas estatais, em troca de recursos, e estas seriam privatizadas. O foco principal eram os bancos estaduais que funcionavam como casas da moeda paralelas., mas outras estatais que tivessem algum valor para eventuais interessados, também poderiam ser entregues.
Este foi o caso de Alagoas, que entregou ao Tesouro Nacional as ações da sua distribuidora de eletricidade. A CEAL foi federalizada, e seu controle acionário e administrativo foi passado à Eletrobrás. Era 1996, e esta transferência de controle foi suportada por uma lei estadual de 28.08.1996, quase 22 anos. Relembremos que, nesta época, o Governo de Alagoas enfrentava uma série crise financeira, com sucessivos atrasos nos pagamentos de suas obrigações, notadamente a fornecedores e a funcionários públicos.
No setor elétrico, estados semelhantes a Alagoas (RN, SE, CE e BA) federalizaram,  também, suas distribuidoras de energia.
Os processos de privatização destas distribuidoras avançaram ao longo de 1996 e 1997, dentro dos trâmites do Programa Nacional de Desestatização, e as distribuidoras de BA, CE, SE e RN foram privatizadas entre agosto/97 e abril/98. A CEAL ficou para trás, apesar do processo burocrático normal nestas privatizações estar concluído. E o fato preponderante por este atraso foi a situação política no estado, cujo ápice foi a renúncia do governador e uma “intervenção branca” nas finanças do estado pelo Governo Federal, com a nomeação de um coronel do exército para secretario de finanças do estado em junho de 97. Como fazer um leilão nesta situação? Assim, este foi adiado e marcado para dezembro/1998, e foi um leilão onde não apareceram concorrentes. E por que? Lembremos que do fim de 1997 a 1998, ocorreram as crises econômicas da Ásia e da Rússia, com ataques especulativos às suas moedas e quando estes começaram contra o Brasil, o Banco Central aumentou a taxa referencial da época, a TBAN, de 20% para 43%, ao longo de 1998. Os investidores ficaram sem um parâmetro financeiro para balizar seus lances.
Surge, então, o problema: Alagoas transferiu um ativo para o Governo Federal, por valor aproximado de R$ 450 milhões. O Governo Federal, por sua vez, adiantou um valor de R$ 250 milhões, tudo em valores da época. Alagoas ficou com um crédito pela diferença, crédito este que deveria ser quitado quando a privatização ocorresse. Como a privatização não ocorreu, e não houve entendimento como este valor seria quitado, apareceu o cadáver, que se tornou o atual esqueleto, 20 anos após, e com potencial de se transformar em mais um imbróglio jurídico.
Fazendo um paralelo deste caso com as demandas decorrentes das poupanças retidas no Plano Collor, vemos que passou-se da fase de esqueleto para imbróglio jurídico. E este foi finalmente resolvido, graças a um bom entendimento entre as partes envolvidas (demandantes, FEBRABAN, AGU, BACEN e Judiciário). Os números envolvidos, que a princípio eram alarmantes, podendo até quebrar o sistema financeiro nacional, hoje verifica-se que são da ordem de R$ 12 bilhões. Não quebram os bancos, poupadores ficam satisfeitos, ou seja, um bom acordo.
Esperamos que o bom senso também prevaleça no caso da CEAL, onde os atores envolvidos, e bem orientados pelo Judiciário, cheguem a um acordo, que evitará enormes prejuízos a toda a população, principalmente a de Alagoas, com a ameaça de interrupção do fornecimento de energia elétrica. E, também, em nada ameaça a Lei de Responsabilidade Fiscal, tanto para a União quanto para Alagoas. Afinal, os valores envolvidos são de menos de 0,05% do orçamento nacional para este ano.

JOSÉ ROBERTO AFONSO, economista, professor do IDP e pesquisador do IBRE
MAURICIO AQUINO, contador e diretor da Praxis Brasil Consultoria

* Publicado no Jornal do Brasil e na Gazeta de Alagoas em 03.07.2018

terça-feira, 26 de junho de 2018

TRIBUTOS BRASIL X PORTUGAL Alguns contrastes e algumas semelhanças

Saindo um pouco do turismo e o verão português, comento alguns aspectos da tributação no nosso país e em Portugal. O assunto me parece interessante em função do momento em que vivemos, e também pela necessidade inadiável do nosso país efetuar mudanças estruturais com relação a tamanho de estado (o denominador da fração), a uma reforma tributária séria (o numerador da fração) e a questões das políticas públicas face aos desafios presentes e futuros da nossa sociedade (o resultado da fração). Alguns poderão achar que estou sendo simplista, mas a boa e velha aritmética, nossa velha esquecida de primeiros anos de escola, sempre ajuda a explicar algumas coisas.
Resolvi focar como exemplo 3 produtos de consumo (cerveja, cigarro e combustíveis), impostos sobre patrimônio e doações, impostos sobre dividendos e a tributação envolvida nas folhas de pagamento de empresas. Acredito que são exemplos que afetam toda uma população, direta ou indiretamente, nos dois países pelos quais sou apaixonado.
O ponto principal que temos que levar em conta é que existem duas diferenças básicas entre Brasil e Portugal, uma óbvia, envolvida com o sistema organizacional do Estado e a outra temporal. No Brasil, são 3 as esferas que podem cobrar impostos (União, estados e municípios) fato definido pela Constituição de 1988. Em Portugal, são duas esferas, governo central e autarquias (municípios). Com relação ao fator temporal, o atual sistema tributário brasileiro data da reforma de 1966, com algumas alterações introduzidas pela Constituição de 1988, que ampliou a possibilidade dos 3 entes tributantes criarem e legislarem sobre impostos, taxas e contribuições. Em Portugal, o sistema tributário atual data de 1976, com a promulgação da atual Constituição e pelas mudanças introduzida em fins dos anos 80 do século passado, para adequar Portugal para a sua entrada na União Europeia.
Outra diferença básica, entre Brasil e Portugal, é que o atual sistema tributário brasileiro permite a cobrança de imposto sobre imposto, e com a diferença de tributação entre estados e municípios, torna-se muito difícil apurar efetivamente o quanto de imposto se paga em cada produto. Nas comparações que farei a seguir usei duas fontes de informação. O IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação e para Portugal os dados são da AICEP (agência do governo português) e da Fundação PORDATA.
Segundo dados da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para 2016, a carga tributária do Brasil é de 35,4% do PIB enquanto em Portugal este número está em 34,4%. O Brasil possui mais de 50 tributos, taxas e contribuições, enquanto em Portugal possui somente 13 impostos, taxas e contribuições.
O cálculo dos impostos em Portugal é mais simples do que no Brasil, sendo que o número de informes e obrigações acessórias que se prestam ao governo são também muito menores. Resultado – ponto a favor de Portugal.
A tributação da cerveja no Brasil, conforme o IBPT varia de estado para estado, por conta principalmente do ICMS. É de 35,52% no Rio, enquanto é de 41,11% em SP e 40,7% em MG. Em Portugal, além do IVA (imposto sobre o valor agregado) nas vendas, é cobrado um dos impostos especiais, o IABA (imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas), que varia de acordo com o teor alcoólico da bebida produzida. Em média, o chopp (imperial em Lisboa ou Fino no Porto) tem 26% de imposto; fiz este cálculo, porque o IABA é cobrado por hectolitro produzido e levei em conta o preço ao consumidor de um chopinho. Chopp mais forte, mais caro e mais imposto pago.
Aos fumantes, cigarro é caro em qualquer lugar da Europa por conta dos impostos (altos para fumo em qualquer lugar do mundo). A exemplo das bebidas alcoólicas que têm taxação mais alta a medida em que o teor alcoólico da bebida é maior, o mesmo acontece com o cigarro em Portugal. A taxação em Portugal, além do IVA, também tem um dos impostos especiais, o IST (imposto sobre tabaco) que tem uma parcela fixa e outra variável, cobrado por grama de tabaco, e quanto mais teor de nicotina e outros componentes do cigarro, maior a parcela variável. Desta forma, o fumante português paga em torno de 72% a 85% do preço do produto. No Brasil este imposto situa-se na faixa de 80% do preço final. Decretamos empate neste quesito, com um benefício para Portugal, pois em tabaco e álcool são praticadas políticas tributárias com foco em políticas públicas de saúde, penalizando quem fuma cigarros mais “fortes” e bebidas alcoólicas idem.
Combustíveis é um outro exemplo da atuação de políticas públicas em Portugal. No Brasil, a taxação média (de novo, as diferenças no ICMS dos estados), segundo dados da Fecombustíveis, a gasolina tem 43% de impostos, o diesel 27% e o etanol 26%. Já em Portugal, além do IVA, são cobrados o ISP (Imposto sobre petróleo) e a CSR (contribuição de serviços rodoviários), instituída a partir de 2007, para a manutenção das estradas vicinais e as antigas rodovias nacionais, que ficaram na mão do Estado Português, pois as novas autoestradas que rasgam o país são quase todas privadas e com pagamento de pedágio. O português paga em média 62,6% de impostos na gasolina e no diesel é de 55,11%, com um dado que é o fato de que a parcela variável do ISP, e a CSR de veículos a diesel (gasóleo) ser maior do que os veículos a gasolina, já que Portugal quer eliminar a venda de autos a diesel a partir de 2025. Ponto para o Brasil, menos impostos nos combustíveis, mas com um agravante que é a nossa falta de políticas públicas na substituição do diesel, principalmente nas frotas de ônibus urbanos. Poderiam estar rodando com gás natural, o que já acontece em Portugal.
Tributos sobre heranças e doações é um aspecto de semelhanças no Brasil. Em Portugal, atualmente não há tributação sobre heranças e doações. Existe somente a cobrança do imposto do selo (10%) no recebimento de heranças e doações por irmãos e outros. No caso de recepção por cônjuges e filhos há a isenção do imposto. No Brasil, a alíquota de tais impostos, cobrado pelos estados, foi recentemente aumentada para 8%, sendo que não há isenções para herdeiros diretos. Gol de Portugal.
Com relação a dividendos, a tributação brasileira isenta os dividendos de tributação. Já, em Portugal, a tributação de dividendos para as pessoas físicas (IRS – IR singulares) é de 28% e para as pessoas jurídicas (IRC -  IR – coletivas) é de 25%. Ponto para o Brasil.
Ressalto que os dois  países não tem taxações explícitas sobre heranças ou patrimônio. Existem apenas as taxações sobre veículos e imóveis, comum aos dois países.
No caso dos custos trabalhistas, Portugal leva vantagem. A quantidade de encargos, tributos e custos acoplados na folha de pagamento brasileira, é maior do que a portuguesa. Isso, apesar de Portugal ter um 14º salário por conta das férias e no Brasil esse salário de férias é de 1/3 do salario mensal. O Brasil, em média, tem custos acoplados a folhas de pagamento da ordem de 72% e os de Portugal são da ordem de 60%.
O ponto final é que são sistemas muito distintos, com um número de impostos muito menor em Portugal, e que o sistema português é mais simples do que o brasileiro. Também, a visão tributária portuguesa, além do fator arrecadador, tem uma visão focada em políticas públicas de cunho, na maior parte, compensatórias.

segunda-feira, 4 de junho de 2018

LISBOA, A PÉROLA DE PORTUGAL *

Conheci Lisboa há 8 anos atrás. Para mim, a cidade era o que descrevia a música Lisboa Antiga, cantada pela grande Amália Rodrigues. Mas, nessa primeira ida a Portugal resolvi seguir os conselhos do amigo Sérgio Leite que andou por lá uns bons 15 anos.
Lisboa é realmente uma cidade magnifica, onde o antigo e o novo se mesclam harmoniosamente. E, apesar das colinas íngremes, é uma cidade gostosa de se caminhar. 

E como eu gosto de caminhar, segue uma sugestão que, se bem aproveitada dura um dia. Vá passear no Parque Eduardo VII e apreciar os jardins e a beleza do local. A seguir, desça pela direita do parque e aprecie a Rotunda do Marques de Pombal. A estátua ali colocada é uma justa homenagem à pessoa que comandou a reconstrução de Lisboa depois do terremoto de 1755, um dos cinco maiores terremotos já catalogados pelos geólogos (estimativas de intensidade chegando a 8,9 na escala Ritcher), que só discutem até hoje se ocorreram 7 ou 9 tsunamis pós terremoto, com ondas de mais de 30 metros na costa próxima a Lisboa. Morreram cerca de 30% da população da cidade que contava com cerca de 300 mil habitantes. Cerca de 85% das construções da cidade foram arrasadas e o Marques de Pombal comandou esta reconstrução, da cidade e do sul do país. 
Rotunda do Marquês, com o parque Eduardo VII ao fundo

E a obra desta reconstrução pode ser admirada ao se caminhar pela Avenida da Liberdade, que liga a Rotunda do Marquês à Praça dos Restauradores. Esta avenida foi originada no século XIX, em cima de um caminho chamado de Passeio Público, originado da reconstrução pombalina. A sensação de caminhar nesta avenida é a mesma de se caminhar em qualquer boulevard parisiense ou de outra grande capital europeia. O bom é que a avenida desce em sentido do Rio Tejo, com uma inclinação muito suave. Aproveite para apreciar lojas, jardins, belas construções e os cafés. Se não estiver cansado, vá até a beira do Rio Tejo, passando pela Rua Augusta e dê uma parada no Museu Nacional de Arte Contemporânea. Ali ocorrem sempre boas exposições. E por fim você chegará na Praça do Comércio, onde se situam diversos prédios públicos, oriundos da reconstrução de Lisboa. Aprecie a vista do Rio Tejo e tire bastante fotos ao longo do caminho, pois tem muita coisa interessante para se fotografar e rememorar.
Outro passeio interessante é pegar o carril (bonde) perto da Praça do Comércio e subir até o Castelo de São Jorge, visitar o castelo, subir na famosa Torre do Tombo e apreciar a vista da cidade, que é magnifica. Um detalhe de infraestrutura: repare na quantidade de placas fotovoltaicas (solares) nos telhados de prédios e casas. A geração distribuída de energia é uma realidade em Portugal, gera-se para consumir e o excedente é vendido. Portugal investe firme nas energias renováveis.
Outro museu muito interessante de ser visitado é o Museu da Fundação Gulbenkian, que abriga a coleção de arte do magnata do petróleo armênio Calouste Goulbenkian. A história da ida de Gullbenkian para Lisboa é um capítulo à parte e quem tiver curiosidade pode ler Lisboa – A Cidade Vista de Fora e Lisboa – A Guerra nas Sombras, ambos do inglês Neill Lochery, que dá uma aula de Lisboa. E o parque que envolve o museu também merece ser visitado.
Uma experiência inesquecível é visitar o Oceanário de Lisboa e caminhar no seu entorno, o Parque das Nações. O oceanário tem uma arquitetura ultra moderna, e, pra mim é uma experiência sensorial incrível. Sensorial e reconfortante. Sai-se de lá mais leve, uma certa sonolência, mas extasiado com a magnitude do local. Pra mim, que já fui lá duas vezes, é uma coisa indescritível.
Outro passeio tradicionalíssimo é visitar o Mosteiro dos Jerônimos, onde se encontra o túmulo de Vasco da Gama, visitar a Torre de Belém, e depois, bem depois, empanturrar-se à tripa forra (salve Eça de Queiroz) de cafés e pastéis de Belém. O café e restaurante que é dono do nome e da fórmula original desta iguaria típica fica neste caminho. Prepare-se para as filas, tanto para um cafezinho e um pastel, como para fazer um almoço no restaurante. Pelo que me lembre, não fazem reservas.
Uma dica com relação a cafezinho em Portugal. Sempre peça seu cafezinho cheio, se não, vem a xícara com café pela metade, pois é hábito português beber o café o mais forte possível, com um ou dois pequenos goles.
E para terminar, 3 dicas para jantares. O tradicional Solar dos Presuntos que tem seu forte nos frutos do mar. O afamado Pap’Açorda é outra pedida, saiu do Bairro Alto e agora está no reformado Mercado da Ribeira Nova, no Cais do Sodré e reserve um lugar no seu estômago e peça com sobremesa a mousse de chocolate, que é indescritível e muito famosa. Se você gosta de champanhes, vá na Champanheria do Cais, também no Mercado da Ribeira Nova. E por fim, para uma outra experiência indescritível, vá ao Mini Bar, do chef José Avilez, uma das revelações da nova cozinha portuguesa, fica no bairro do Chiado.
Dois conselhos para quem vai à Lisboa. Recomendo, para todos os restaurantes citados, fazerem reservas com uma certa antecedência. E, esqueçam o carro. É impraticável fazer turismo em Lisboa de carro, poucos estacionamentos e todos muito caros. Ande a pé, de metrô ou de taxi, ou mesmo os veículos de aplicativos.
E boa viagem à Lisboa para todos. 

* Publicado no Jornal do Brasil em 04.06.2018

quinta-feira, 31 de maio de 2018

MAIS TRÊS DIAS NO PORTO (E ARREDORES) *

Na semana passada apresentei 3 roteiros de 1 dia para quem vai ficar no Porto. Mas, se você dispõe de mais 3 dias na cidade, acrescento mais outros roteiros b em interessantes.
Antes, lembro que para os roteiros da semana passada e os a seguir você não precisará de automóvel. As cidades de Portugal, de uma maneira geral, são ótimas para se caminhar e serem apreciadas desta forma. Esqueça o carro, ele atrapalha, os estacionamentos são caros, aliás uma das poucas coisas caras em Portugal, porque prefeituras e particulares descobriram uma forma de arrecadar mais uma dinheiro de nossos bolsos.
A seguir, os 3 roteiros.                                                                                                              
1 – Este é o meu preferido e de minha mulher. Ele é um roteiro bom para quem gosta de correr e caminhar. Saia da Casa da Música (metro do mesmo nome) e desça pela Avenida da Boavista em direção ao mar. É uma longa e suave descida, quase imperceptível. Construções antigas e modernas se misturam ali, inclusive antigos palacetes. E a brisa que sopra do mar torna a caminhada muito agradável. Após caminhar uns 3 km, você verá a sua esquerda um chafariz de arquitetura moderna em um cruzamento com a Avenida Marechal Gomes da Costa. Entre na avenida pela sua calçada da esquerda e 3 quarteirões depois, encontra-se a entrada do Parque da Fundação de Serralves. Além do maravilhoso parque, com jardins exuberantes, lá se encontra o Museu de Arte Contemporânea da fundação. Dias antes deste passeio, dê uma olhada no site da fundação e confira se acontece algum evento ou exposição. Se interessar, compre com antecedência, pois no local as filas par as entradas são imensas quando ocorrem as exposições no museu. Ano passado, ocorreu uma do pintor Miró, que foi prorrogada por uma vez, e mesmo assim, era impossível de se conseguir entradas (e ainda não era verão). Passeie nos jardins e no parque, tire muitas fotos. Saindo do parque, retorne a Av. da Boavista e continue a caminhada em direção ao mar. Lembro que neste caminho existem numerosos cafés e bares. Dê uma parada em algum deles, e café e pastel de natas são obrigação nestas caminhadas. Caminhando pela direita da avenida, você chegará na esquina da Av. do Parque. Aí, a decisão será sua. Se quer ver logo o mar, siga pela Av. da Boavista. Se não, entre no Parque da Cidade. Espaço maravilhoso, bom para se correr, tem banheiros, bebedouros e local lindo. No verão, ali ocorre um mega festival de música, com artistas do mundo inteiro e público idem. O parque tem uma saída em frente a praia, e você deverá caminhar para a direita, o mesmo devendo fazer quem optou por não entrar no Parque da cidade. Ao caminhar para a direita, você estará indo em direção a Matozinhos, uma autarquia (município) colado ao Porto. Muitas coisas para se ver. A escultura da Anêmona Gigante, da artista plástica Janet Echelmen (praça de São Salvador), a escultura em homenagem aos pescadores mortos em um naufrágio em 1947 (impressionante, mostrando as mulheres e filhos dos 152 mortos no naufrágio) e o forte do Castelo do Queijo. E por fim, as delicias dos frutos do mar. Muitos restaurantes, principalmente na Av. Serpa Pinto e Rua Heróis de França. Todos são muito bons, numa concorrência muito saudável.
2 – Outro passeio a beira mar é sair da esquina da Rua D. Pedro V com Rua do Ouro. Sugiro chegar neste local de táxi, dependendo de onde você estiver. E caminhe pela Rua do Ouro em direção a Foz do Rio Douro. Você estará caminhando a beira do Rio, com muitos jardins. Na foz existe o Farol de Felgueiras e o Jardim do Passeio Alegre. Após este pedaço, já estamos em frente ao Atlântico, na Avenida do Brasil, e depois na Avenida de Montevidéo. Neste pedaço, tem-se a sensação de estar caminhando no Promenade des Anglais, de Nice, com a mesma arquitetura do início do século XX. Aliás, este tipo de arquitetura e a de art nouveau são muito comuns no Porto. Neste trajeto é realizada a tradicional corrida de São João, padroeiro da cidade. E no fim da Av. de Montevidéo, chega-se ao ponto onde a Av. da Boavista encontra o mar, local descrito no trajeto anterior.
3 – Esse é um passeio fora da cidade do Porto. A proposta é subir o Rio Douro, de barco, e retornar de comboios (trem) ou autocarros (ônibus). São diversas as empresas que oferecem este passeio, com propostas variadas. Escolha a que mais lhe apetece e a que seu bolso agradece. Na estação de metro de Trindade e em vários pontos da cidade existem quiosques e agências de viagens que oferecem os pacotes. Eu recomendo os passeios que conduzem os turistas até a cidade de Peso da Régua, a cidade onde realmente é feito o vinho do Porto. Muitas são as vinícolas que produzem este tipo de vinho na cidade e arredores. O vale do Rio Douro é uma das coisas mais impressionantes que já vi. As encostas íngremes e as vinhas plantadas em terraços são uma característica da região. Neste passeio, o barco se utiliza de diversas eclusas que existem nas barragens construídas para controlar as cheias de fins de inverno que usualmente ocorrem no rio. As cheias, antes das construções das barragens eram catastróficas. Em Peso da Régua, vê-se nas portas de algumas casas as marcas que os moradores fizeram indicando a altura das águas nas cheias dos anos 60, principalmente. São marcações feitas a mais de 20 metros de altura do nível normal do Rio, duas ruas acima da avenida da margem do rio. As cheias continuam a ocorrer, com menos devastações. Quem tiver curiosidade de ver, entre no Youtube e são inúmeros filmes amadores e documentários sobre o tema. E outro ponto a se apreciar nesta viagem são as inúmeras pontes que cruzam sobre o Douro, muitas delas verdadeiras obras de arte da engenharia portuguesa.
Semana que vem, vamos a Lisboa? Até lá.

* Publicado no Jornal do Brasil em 28.05.2018

quarta-feira, 30 de maio de 2018

A FALTA DE VISÃO ESTRATÉGICA (1)

Que o Brasil há mais de 20 anos não repensa o país e faz um planejamento de longo prazo, coisa de olhar o país 50 anos para a frente, é um fato que a maior parte dos brasileiros, se pararem para pensar, vão verificar que isto é correto.
Esta mania nacional de “tocar a orquestra no improviso” realmente não funciona. Nenhuma orquestra toca de improviso, e falo de orquestra sinfônica com mais de 80 músicos. Improviso, somente em pequenos grupos de blues ou jazz, e assim mesmo, se o grupo tem 5 membros, pelo menos 4 tem que ser virtuosos. Palavra de músico.

A recente greve dos caminhoneiros nos mostra isso. E vou lembrar um fato recente ocorrido em 2009 e 2010. Fato que mostra que decisões para resolver problemas imediatos, mas que não leva em conta o destino a que queremos chegar nos próximos 10 ou 20 anos, normalmente não dão certo no longo prazo. Resolve um problema pontual, mas cria um maior ainda e quase insolúvel no futuro.
Entre 2001 e 2010, o governo federal, face a crise mundial da época, e com o objetivo imediato de não deixar a economia parar e manter empregos, concedeu para a indústria enormes incentivos fiscais e creditícios e, paralelamente, também afrouxou o crédito para incentivar o consumo.
Resolveu o problema imediato? Sim. O PIB nacional que em 2009 tinha sido negativo (-1,11%), saltou em 2010 para um PIB positivo de 6,49%.
Onde ocorreram os erros?
1 – Pelo lado dos incentivos ao aumento de consumo, estes se esgotaram dois anos após, e isto pode ser verificado pelo PIB de 2011 (2,99%) e de 2012 (0,97%), além de ter gerado uma inflação ascendente, que passou de 4,31% em 2009 para 10,67% em 2015. E por que o modelo de incentivo ao consumo esgotou-se? Porque satisfeitas as necessidades reprimidas de bens de consumo, principalmente os duráveis, as pessoas e empresas pararam de comprar. Ou seja, caminhoneiros renovaram ou aumentaram suas frotas, todos trocaram de automóveis ou compraram o seu primeiro veículo, trocaram geladeiras, fogões, TVs, etc.
2 – Pelo lado dos incentivos fiscais concedidos à indústria, temos sempre que ter em mente que todo e qualquer incentivo fiscal é uma renúncia fiscal, ou seja, os governos deixam de arrecadar uma parcela de determinado imposto em prol de um bem, normalmente social, maior. A justificativa, naquele momento, foi a manutenção de emprego.
3 - Pelo lado dos incentivos creditícios concedidos, e que foram taxas de juros vantajosas (foram juros negativos, abaixo da inflação) e prazos maiores do que os habituais, isto gerou uma massa de endividamento muito alta, tanto de pessoas físicas como jurídicas.
Esgotado o modelo, e com a maior recessão que este país já viu, com PIB negativo por praticamente 4 anos, o resultado é: uma massa de endividados, empresas com vendas em sucessivas quedas e também endividadas.
A crise dos caminhoneiros é exatamente isso. Endividados, que não conseguem lidar com os bancos que concederam os créditos, vão no ponto mais imediato, que é o preço do diesel que subiu no último ano por conta do preço do barril do petróleo dobrou) e por conta da valorização do dólar frente a todas as moedas, inclusive o real.
Vê-se que foi tomada uma decisão no curto prazo sem ter uma alternativa para uma recessão no país e sem levar em conta que uma economia não se sustenta no longo prazo somente baseada no consumo, e sem a devida poupança.
Outro fator mais grave é que foram concedidos incentivos fiscais ä indústria, notadamente a automobilística, sem ser solicitado uma contrapartida a tais incentivos. 
O diesel, no Brasil, é um problema que irei detalhar em próximo artigo, historiando a evolução do petróleo no Brasil e dos combustíveis a ele ligado, no caso o etanol. O Brasil funciona baseado no diesel, e não temos uma alternativa de curto prazo para ele. Enquanto o resto do mundo caminha para banir o diesel de sua matriz energética, por ser um combustível mais poluente do que a gasolina, o Brasil insiste nele.
Perdemos a chance de, em 2009, impormos a contrapartida de retirarmos o diesel das cidades, principalmente nos transportes de massa urbanos, substituindo-o pelo gás natural. A Comunidade Europeia tem a meta de retirar o diesel de sua área até 2035. Portugal e outros países estão proibindo a venda de novos carros a diesel a partir de 2022, em média. Cidades, como Madrid e Paris, estão discutindo proibir a entrada de veículos a diesel a partir do ano que vem.
Ou seja, o Brasil continua a caminhar sem olhar pra frente. E saibam que as reservas de gás natural brasileiras são grandes. Com dados de 2017 obtidos no site da Agência Nacional do Petróleo, o Brasil possui 370 bilhões de m3 de gás em reservas provadas. Se considerarmos adicionamos a este número o volume das reservas prováveis e possíveis, o número chega a um total de 609 bilhões de m3 de gás natural. O consumo anual brasileiro, em dados de 2017, é de 21,9 bilhões de m3, o que numa "conta de sobrevivência" dá um resultado de esgotamento de 16 anos nas reservas provadas e de 27 anos em todas as reservas. Ou seja, temos gás e não o usamos corretamente.

Ônibus no Porto movido a gás natural, com perfil baixo, adequado a países com população idosa em crescimento. Ao fundo, a bela Casa da Música.

Perdemos a chance de, em troca da concessão dos incentivos em 2009, ter a contrapartida de ser efetuada a troca do combustível de toda a frota nacional de ônibus urbanos em um prazo de 10 anos. E isto seria factível por 2 motivos. O primeiro é que as facilidades creditícias foram concedidas na mesma época. E o segundo é o mais óbvio: todas as empresas que fabricam ônibus que vocês veem na foto acima tem subsidiárias no Brasil. O ônibus da foto é fabricado pela Mann, que no Brasil assumiu a antiga Volkswagen Caminhões. Mas todas as outras, Volvo, Scania, Ford, GM etc fabricam em seus países de origem veículos como o da foto que, além de serem movidos a gás, têm perfil baixo sem degraus para a entrada e saída dos passageiros, facilitando a vida de idosos e deficientes físicos.
Se tivéssemos feito isto, já teríamos cidades menos poluídas, menos contusões de usuários por conta de tombos, e a vida dos deficientes físicos seria um pouco melhor. E, nos últimos 8 anos a troca de combustível em nossos ônibus urbanos seria quase toda efetuada.
Planejar a longo prazo é vital para sairmos dos impasses que temos no Brasil.

domingo, 27 de maio de 2018

PORTO – UMA DAS JÓIAS DE PORTUGAL (em 3 dias) *

Eu sou uma pessoa suspeita para falar sobre o Porto. Recentemente, residi lá por um ano quando minha mulher foi lá fazer um curso. Além de, na minha opinião, ser a cidade mais agradável de Portugal, no conjunto da obra, o povo do Porto é educado, amável e hospitaleiro. Fizemos grandes amizades por lá.
E como o verão europeu se aproxima e muitos brasileiros já compraram passagens para passar alguns dias em Portugal, vou dar algumas dicas para quem está ido. E começo pelo Porto, pois considero a cidade a minha segunda casa.
As dicas a seguir são basicamente de um roteiro que fiz para um amigo e ex colega de trabalho, que está indo a Portugal em junho.
Em primeiro lugar, em Portugal tudo é perto a malha rodoviária é excelente e os trens (comboios) bons e pontuais. Evite o pinga pinga entre cidades e use Lisboa e Porto como base para incursões nas cidades próximas, tudo no máximo a 2 horas de carro ou trem. E no verão, dica importante, evite o Algarve, pois é sofrer em engarrafamento e aeroporto lotado.
O Porto foi a primeira capital de Portugal, onde o país começou. A quantidade de palácios, museus e igrejas é imensa. Algumas curiosidades sobre a cidade. Lá nasceu o Infante Dom Henrique e o palácio local do nascimento pode ser visitado (fica na Ribeira). J. K. Rowling, autora dos livros de Harry Potter murou lá por quase dois anos, casou com um português, separou-se, e usou vários aspectos da cidade como fonte de inspiração para a série.  A Livraria Lello é a biblioteca de Hogwarts, e as capas que os alunos da escola de bruxos usam são as capas dos alunos das escolas de segundo grau e universidades. É famosa a festa da Queima das Fitas, festa onde os estudantes de último ano queimam as fitas que identificam que estão no ano de conclusão da universidade. Ocorreu agora, na semana de 6 a 12 de maio e esta semana é feriado escolar. É famoso o desfile dos carros alegóricos dos universitários.
No Porto, esqueça o carro. Use metrô, ônibus (autocarros) ou táxis (tem Uber). Os tickets de metrô e autocarros são integrados. Existem também linhas de ônibus turísticos, com pontos de paragens pré determinados.
Seguem-se 3 roteiros básicos para quem tem 3 dias no Porto.
1 - Sair da estação de metrô Casa da Música, visitar a mesma, cruzar a Praça Mouzinho de Albuquerque (Rotunda da Boavista), admirar a escultura do Leão (Porto) derrotando a Águia (França de Napoleão), e ir comer um petisco no Mercado de Bom Sucesso (antigo mercado do peixe da cidade, totalmente remodelado e local de petiscos variados). Experimente um sanduiche de leitão com espumante da Bairrada. Desça pela Av. Júlio Diniz e você chegará ao Parque do Palácio de Cristal, jardins fantásticos, uma maravilhosa vista do Rio Douro, boa biblioteca pública (bom local para se estudar e escrever, recomendação da orientadora de minha mulher) e saindo do parque caminhe até o Museu Nacional Soares dos Reis, sempre com boas exposições e um lindo jardim de camélias (aparecem em fevereiro).
2 – Sair da estação de metrô de Carolina Michaelis, e descer a Rua de António Luso, e chega-se a uma praça onde existe a Igreja Românica da Cedofeita, do século VI, época em que suevos e visigodos dominavam Portugal. Pegue a Rua da Cedofeita e dê uma parada na Gota a Gota, excelente loja de vinhos com um estoque muito variado. Nesta rua, Dom Pedro IV (o nosso Pedro I) montou seu quartel general na luta para derrotar seu irmão, Dom Miguel que tinha usurpado o trono de sua sobrinha, Maria II. Aliás, ali perto fica o bairro da Lapa, e na igreja de mesmo nome (lindíssima) está o coração de Dom Pedro que pediu que o mesmo fosse doado à cidade. Mas, saindo da Praça de Carlos Alberto, você verá o ponto de saída de uma das 2 linhas de bondes que restaram e hoje são linhas turísticas. Ao lado, existem duas igrejas fantásticas, a do Carmo e dos Carmelitas, obras fantásticas do barroco português, com muito ouro e prata, e azulejos lindíssimos. Admire o prédio neoclássico da Reitoria da Universidade do Porto e desça em direção a Praça de Lisboa, onde se encontra a Livraria Lello, a Torre dos Clérigos (com um razoável preparo físico dá para subir nela e ter uma das vistas mais bonitas da cidade), e também visitar a igreja anexa. Ao lado da Livraria Lello existe uma antiga loja de uma fábrica de tecidos que foi transformada na loja Vida Portuguesa, a loja é linda e só tem artigos típicos made in Portugal. Se ainda sobrar tempo, caminhe até a Praça dos Aliados, a maior praça do Porto, local onde se situa a Câmara Municipal da cidade, e onde é realizada a queima de fogos na virada do ano.
3 – Salte na estação do metrô de São Bento e aprecie a centenária estação de comboios do mesmo nome. As paredes do hall da gare são todas revestidas de azulejos que retratam a história de Portugal. Desça a Rua das Flores, aprecie o Museu da Misericórdia e caminhe até o Palácio da Bolsa, na Rua de Ferreira Borges e aproveite para apreciar o antigo Mercado Ferreira Borges, hoje uma casa de shows com programação basicamente de rock e heavy metal. Você agora estará a um quarteirão da Ribeira, a principal zona turística do Porto. Se a fome bater, dê uma passada no The Wine Box, na rua dos Mercadores 72, uma grande carta de vinhos harmonizados com tapas de tudo quanto é tipo. E daí pra frente é caminhar pela Ribeira, cruzar a pé a ponte D. Luis I e ir até as caves de vinho do Porto em Vila Nova de Gaia.
Se sobrar algum tempo, dê uma passada no Mercado do Bolhão, e nas ruas de Santa Catarina e Formosa. Na rua Formosa podem ser visitas mercearias e delicatessens maravilhosas, a maior parte delas com mais de 100 anos de existência. E não deixem de comer uma Francesinha, prato típico da cidade. E no verão, à noite, existem vários concertos musicais em várias praças e locais da cidade, alguns gratuitos. Fiquem atentos aos cartazes nas ruas que indicam estes shows.
Em próximo artigo, sugiro mais 3 roteiros para quem pode ficar de 6 a 7 dias no Porto. Até lá.

* Publicado no JB em 21.05.2018

segunda-feira, 14 de maio de 2018

UM BOM DESTINO TURÍSTICO *

A sensação que eu tenho e grande parte de amigos e conhecidos tem é de que todos os brasileiros estão indo ou querem ir a Portugal. Mas isso não acontece somente no Brasil. O mundo inteiro quer ir e está indo a Portugal, para morar ou para turismo, principalmente.
E, desta forma, as premiações que Portugal e a cidade do Porto têm ganho estão plenamente justificadas. Portugal recebeu o World Travel Awards no final de 2017 como o melhor destino turístico do mundo. Também, a cidade do Porto recebeu pela terceira vez (já tinha recebido em 2012 e 2014) o prêmio de melhor destino turístico de 2017 pela European Best Destinations.
As razões para estas sucessivas premiações são várias mas todas elas prendem-se ao fato de que Portugal está transformando-se em um país de serviços de todos os tipos. E o turismo com os seus apêndices são responsáveis por grande parte disto.
Uma coisa que me cativou logo ao chegar a Portugal foram a educação e cortesia em geral do povo português. E o fato de que todos, de maneira geral, “vestem a camisa” dos trabalhos que fazem, realmente têm muito orgulho do que fazem.
Conversando com amigos meus que por lá passaram a turismo, e mesmo com diversos turistas estrangeiros, este foi um ponto que todos ressaltaram – a cortesia e a atenção. É impossível em um restaurante, hotel, loja de qualquer produto (pequena ou grande) você fazer a compra do bem ou serviço, simplesmente. É quase que uma coisa mágica e que quando você percebe, você já está batendo papo com o garçon do restaurante, ou do vendedor da loja. Aliás, coisa que me faz lembrar o Rio de Janeiro dos anos 50, da minha infância.
E o turismo se beneficia muito deste clima amigável do povo português. Portugal possui uma rede hoteleira com 4.805 estabelecimentos de todos os tipos (hotéis, pousadas, apart hotéis, hotéis rurais, etc) . Se compararmos com a quantidade de hotéis do Brasil, o país possuía 10.314 hotéis (com mais de 20 quartos) em 2017, em pesquisa efetuada por conceituada consultoria imobiliária e hoteleira internacional. Comparando-se o território português com o brasileiro, vemos que a oferta hoteleira em Portugal é incrivelmente mais alta.
Os hotéis portugueses são de várias categorias, gostos e bolsos. Existem os extremamente luxuosos, principalmente em Lisboa e no Porto, e as hospedarias mais modestas. Também nas pequenas cidades e áreas rurais existem os hotéis ligados a alguma atividade local, principalmente os ligados aos vinhos, o enoturismo. As grandes vinícolas estão investindo pesado neste mercado. Nas cidades de Lisboa e do Porto começam a existir, também, os flats ou serviced apartments, como são chamados por lá. Em resumo, a rede hoteleira portuguesa é grande, e cresceu mais de 2,5 vezes nos últimos 10 anos, segundo dados do site Pordata (base de dados Portugal contemporâneo).
Conjugado a esta grande rede hoteleira, temos uma miríade de restaurantes, bares, cafés e tascas, estas uma das grandes instituições de Portugal. E vamos nos repetir, pois existem estes estabelecimentos que atendem a todos os gostos, sabores, e bolsos. Fazer um passeio, em cidades como Lisboa e o Porto, e observar estes locais já vale a pena viajar para Portugal. São tão variados, saborosos, interessantes, e friso mais uma vez: são todos povoados de um atendimento cortês e orgulhoso. Eu devo ter visto, pelo menos, uns 100 locais que diziam “o melhor pastel de natas da cidade”, ou o melhor doce X do país, e por aí vai. E, do restaurante conceituado ou a tasca mais humilde, em algum ponto do cardápio ou cartaz na porta é dito que tudo o que ali se vende é de fabricação própria. É bom perde (ou ganhar) uns bons 5 minutos e ver a loja dos pastéis de Belém em Lisboa ou no Porto, ir ao bairro do Bolhão e em frente ao mercado do bairro ver uma confeitaria onde se vê, por trás da vitrine, os confeiteiros a preparar os pastéis de nata. Aliás, meu amigo Sérgio já tinha me falado sobre isto e na competição que tinha com um sócio dele de, a toda sexta feira, irem a uma tasca bem humilde mas com a melhor comida possível para o ambiente. Comer (e beber) em Portugal é quase uma religião, e recomendo a quem vai lá: faça uma boa dieta antes da viagem, e entre almoço e jantar, caminhe muito. Caminhar foi outro prazer que redescobri em Portugal.
E estamos falando de um país com mais de 3000 anos de história. Passear em Portugal é falar de seus castelos, alguns com mais de 1300 anos, suas igrejas (algumas da época dos visigodos, como a românica da Cedofeita no Porto), sítios arqueológicos e de museus maravilhosos. Uma das coisas que o governo português tem feito são parceiras com empresas privadas para a manutenção de alguns destes locais. Em troca da exploração de atividades ligadas ao turismo, como hotéis ou restaurantes, partes sem valor histórico de alguns castelos são transformados em estabelecimentos comerciais, e em troca a empresa cuida da parte histórica do castelo. Vi isto em Lisboa, no Castelo de São Jorge e em Estremoz (Alentejo), no seu castelo.
Espero poder escrever mais sobre o turismo em Portugal em outros artigos e com dicas de turismo. O país é convidativo e agradável.
E uma correção sobre o artigo anterior. Eu mencionei a Província de Setúbal, quando seria Península de Setúbal. Fui alertado pelo Eduardo M,  um grande amigo e filho de portugueses.

* Publicado no Jornal do Brasil em 14.05.2018, sob o título Portugal, destino turístico da moda

terça-feira, 8 de maio de 2018

VINHOS – UMA PAIXÃO PORTUGUESA *

Normalmente, eu escrevo aqui no JB artigos que têm relação com economia e finanças. Mas apesar de eu não ser português, mas casado com uma descendente de portugueses, também me faz um apreciador de vinhos (e de single malts também, que me perdoem os puristas).
Esclareço que não sou entendedor de vinhos, mas como bom consultor procuro estudar as coisas que aprecio, e procuro transformar estes estudos sempre em um prazer.
A relação dos portugueses com os vinhos é uma coisa intensa, e o mesmo faz parte da cesta básica dos portugueses. Tenho um amigo, o Sérgio, que morou por anos em Portugal e que diz que se o vinho básico de consumo passar dos 4€ no supermercado, cai o primeiro ministro. E isso, apesar da brincadeira, não deixa de ser verdade.
O português, segundo a OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho) é o povo que mais bebe vinho no mundo. Em 2017, os portugueses assumiram a liderança com 54 litros per capita, ficando na frente de países produtores tradicionais como França (51,8 litros per capita) e Itália (41,5 lts). No volume anual exportado, Portugal está em 9º lugar, pois a produção portuguesa é bem menor do que outros países produtores tradicionais, em função principalmente do tamanho de seu território. A produção portuguesa está em torno de 6.700.000 hectolitros, na safra de 2017/2018, segundo dados do Instituto do Vinho e da Vinha, de Portugal e com uma tendência de crescimento desde o ano 2000.
Mas, vamos ao que interessa, sob o ponto de vista dos amantes do vinho. Podemos dividir os vinhos portugueses sob vários aspectos, a princípio. Geograficamente, todo o país produz vinho, inclusive as ilhas (Madeira e Açores) e o Algarve. Mas as regiões tradicionais e de grande produção são o Douro, o Dão, o Minho, a província de Setúbal e, mais recentemente a região de Lisboa.
Outra divisão que podemos fazer, e aí a coisa vai ficando mais interessante, é a divisão entre os grandes e tradicionais produtores e os mais recentes. Os grandes e tradicionais produtores são casas, na maior parte, centenárias, com grande produção. Os produtores mais recentes são geralmente casas menores, e com produção mais modesta. Mas, e aí vem a semelhança entre todos: pequenos e grandes produtores possuem seus vinhos “de resistência”, que são aqueles que chegam nas prateleiras dos supermercados na faixa dos 3.50€ e 4.50€. E não pensem que entre estes vinhos não existem vinhos agradáveis ao paladar, pois por ser um produto vivo, de fermentação, o gosto pessoal é importante. E estes são os vinhos que os portugueses compram em grande quantidade para o seu consumo diário.
Acima dessa faixa de preço, podemos encontrar de tudo. Vinhos excelentes entre 8€ e 15€. A partir desta faixa, falará o gosto, a vontade e a carteira de cada um. E a seguir, vários conselhos de um não entendedor, mas que aprendeu a apreciar o vinho português. Já gostava de vinhos do Alentejo e do Douro, pois bons vinhos destas regiões chegavam ao Brasil depois dos anos 90. Em Portugal, aprendi a gostar de vinhos do Dão (normalmente mais pesados, mas o clima ajuda) e do Minho, os vinhos verdes (não tem nada a ver com maduro x verde). A minha experiência, até então, era o vinho verde de uma marca tradicional que chegava ao Brasil, e como vinho verde tem que ser bebido muito jovem, o que bebi era terrível. Mas, já em Portugal, comecei a experimentá-lo e o ápice foi num festival deste vinho, no verão do ano passado, na cidade do Porto. E aprendi também a gostar de uma novidade recente, espumante de vinhos verdes, que já estão a disposição no Brasil, e os dois que aqui provei este ano, achei-os bons, no paladar e adequados ao nosso clima.
Se você está a turismo e pretende trazer para o Brasil algumas garrafas de bons vinhos portugueses, faça o seguinte: compre uma mala para vinhos, e já existem algumas a bons preços nas lojas de malas do Brasil, e com vários tamanhos. Depois, já em Portugal, procure uma boa loja de vinhos, uma garrafeira. Lá procure seguir as recomendações dos atendentes e olhe a sua carteira – vinhos até os 15€ ou mesmo 18€ são muito bons, e alguns premiados em concursos no exterior. Outro conselho – não tenha preconceito quanto ao vinho branco, mais adequado ao clima brasileiro. Alguns, da casta rabigato, e feitos 100% com a mesma são excelentes, e premiadíssimos nos concursos internacionais. Idem com relação aos bons vinhos verdes, pois os acima de 6€ são muito bons. Uma outra dica, é procurar na internet as promoções das grandes redes de supermercados. Consegui comprar, em uma destas promoções, vinhos na faixa dos 18€ por 5€. Liquidação em Portugal é liquidação mesmo!
E, por fim, se você estiver em turismo, aproveite os almoços e jantares para degustar os vinhos e procure visitar uma quinta produtora de bons vinhos. Irei, com certeza abordar o turismo de enologia em outro artigo. Você irá começar a entrar em um universo muito interessante e prazeroso, o universo do vinho português. E, com o inverno brasileiro chegando, vamos aos vinhos.

Publicado no Jornal do Brasil em 07.05.2018

quinta-feira, 3 de maio de 2018

UM PAÍS DE PREÇOS BAIXOS *

Meus amigos e conhecidos têm uma grande curiosidade sobre o custo de vida em Portugal, e quando falo dos preços de produtos de consumo em geral todos se surpreendem.
Temos que ter em mente que Portugal assume que é um país pequeno, de parcos recursos, que sua população tem baixa renda. E isto tudo acontece apesar de o PIB per capita de Portugal ser 2,3 vezes maior que o do Brasil.
A explicação destes custos mais baixos, mesmo com uma taxa de câmbio turismo para (euro /real) ter chegado a R$ 4,30 por euro neste final do mês de abril, talvez seja explicado por que Portugal mantêm baixos custos de transação.
Para quem não é economista, eu explico. Além dos custos de produzir um determinado bem ou serviço, existem outros custos que impactam o preço final do produto. São os custos de distribuição, o número de intermediários envolvidos (quanto maior mais esforço do produtor em controlar), etc. E, é óbvio que quanto maior for a dificuldade de fazer o produto chegar ao cliente, ou mesmo, quanto mais intermediários houverem, mais caro serão os bens e serviços.
Um exemplo bem básico é o sistema Multibanco, fato que já mencionei em artigos aqui no JB. Ele elimina uma série de intermediários, seja no pagamento de impostos (o dinheiro sai da sua conta e cai direto no caixa do tesouro português), seja na compra de bens e serviços, onde o mesmo acontece, pois ele é um cartão de débito, com baixíssimas taxas de administração por parte do consórcio Multibanco.
Outro fato interessante são os supermercados, que na verdade são mini mercados espalhados pelas cidades e vinculados à grandes redes. Você só encontrará grandes supermercados semelhantes aos do Brasil dentro de grandes shoppings, como lojas âncoras do shopping. Os outros, na verdade, são franquias da rede. Desta forma, mantam-se a economia de escala, mas a grande rede economiza porque não possui o controle de armazenagem e de estoque das pequenas lojas, transferindo esta economia para o consumidor. Fazer supermercado em Portugal é bem barato, se comparado com o Brasil. E você terá a vantagem ainda de levar um bom vinho para casa. Aliás, o assunto vinhos será abordado em próximos artigos.
Mencionei, também em artigo anterior, o que se economiza em custos cartoriais em Portugal. Apesar de dizermos que herdamos de Portugal a cultura cartorial brasileira, não vi por lá a cultura da firma reconhecida e da cópia autenticada. Se você leva a cópia de um documento e o seu original a qualquer repartição pública, por exemplo, ou a um cartório de registro civil – são públicos, o documento é autenticado pelo próprio funcionário que o recebe, sem custos. Idem, a cultura da certidão negativa disso ou daquilo, que já citei quando contei a história da compra de um imóvel por um amigo meu. A “caderneta do imóvel”, documento público, historia a vida do imóvel, não se necessitando a quantidade de certidões necessárias para se adquirir um imóvel no Brasil.
Os bancos também perceberam que não têm mais como aumentar as taxas pelos seus serviços. Spreads altos de juros, nem pensar, até porque a inflação é baixa e a taxa básica de juros também. Desta forma, os bancos viraram balcões de serviços financeiros, vendendo seguros, planos de saúde, entre outras coisas. Praticamente morreu a figura deste tipo de corretagem, ou seja, menos um intermediário.
E um fato importante, na busca pela diminuição dos custos de transação, é que o empresário português procura estar sempre em sintonia com o cliente. Aliás, um grande amigo meu, que lá morou por uns bons 15 anos, sempre me alertou para isso. O que um bom comerciante português mais odeia é perder uma venda. Desta forma, ele está sempre em sintonia com o cliente e procura sempre agradá-lo. E tira o intermediário deste jogo, porque o que agrada cliente é preço baixo. A ligação é direta, sem ter o custo daquele call center te perturbando dia e noite. O call center português é para ouvir reclamação, mesmo. E, na maior parte das vezes é próprio e não terceirizado. A conexão com o cliente se faz através das promoções, avisadas por SMS para o seu celular, ou através do bom e já velho e-mail, custo mais baixo do que manter call center. E nos supermercados, o aviso da promoção é feita pelo ticket de caixa, custo baixo também.
Enfim, Portugal é um país barato para se viver, mesmo entre os europeus. Uma das explicações, é que o país está sempre a procura de diminuir os seus custos de transações, diminuir de intermediários, aliados a sistemas altamente informatizados e com uma logística de transportes excelente.

* Publicado no JB de 03.05.2018 com o título de “Spread barato? Vá para Portugal”