terça-feira, 16 de abril de 2019

MANTEIGA X CANHÃO – O VELHO DILEMA

Algumas situações sempre me lembram o dilema proposto por Paul Samuelson (Nobel de Economia em 1970) no seu livro de Introdução à Economia, livro em que estudei no início dos anos 70. No livro, logo no começo, apresentam-se 2 gráficos, que podem (e devem) ser aplicados por países e por pessoas.
Estes gráficos, que dão suporte básico a quase tudo em economia, são o de fronteira de possibilidades e o de manteiga x canhão. Fronteira de possibilidades é aquilo que um país ou uma pessoa produz, ou seja o PIB ou que você tem como renda, seja de salários ou outras fontes. Se você gasta mais do que produz, você cobre a diferença com dívida.
O manteiga x canhão apresenta o dilema básico do ser humano, ou seja encher a barriga ou consumir o que ganha em bugigangas. E governar um país é, no fundo, trabalhar dentro da fronteira de recursos da nação e optar em investir ou mesmo gastar, em uma coisa ou outra.
Lembrei-me destes gráficos ao ver o incêndio da Notre Dame, em Paris. Escrevo sem saber os motivos do início do incêndio. E explico. Há cerca de 3 meses atrás, a França foi sacudida por muitos protestos, desta vez os dos coletes amarelos. As pessoas protestavam contra o aumento dos impostos nos combustíveis e o governo francês voltou atrás, cancelando o aumento dos impostos. 
A opção da França, no caso dos impostos dos combustíveis, foi propiciar à população combustível barato, mas sem olhar 10 anos para frente. E a França está subsidiando (de uma forma ou outra) combustível barato. O mundo de 2030 está ali na esquina, e sem nenhuma dúvida, será um mundo de veículos elétricos e autônomos, e principalmente na União Europeia, por conta de suas normas rigorosas para combater a emissão de carbono.
Em um mundo de veículos autônomos (carros, ônibus, caminhões) alguém se interessará em possuir carro? Ou será mais lógico e racional fazer um plano de assinatura com uma empresa de carros autônomos? Lembremos que hoje quase ninguém mais usa telefone fixo e que paga por minutos de uso em seus telefones celulares. Pagará um plano mensal de quilômetros rodados, como fazemos hoje num táxi ou num veículo de aplicativo de celular.
Ou seja, de uma forma ou outra, a França, ao dar subsídio para um objeto em extinção (carro próprio), retirou recursos de algum outro local de seu orçamento. E, lembrei-me do incêndio do nosso Museu Nacional na Quinta da Boa Vista, pois nossos governos querem investir em tudo ao mesmo tempo. Os recursos são sempre finitos.
Governar é também fazer a melhor opção mas olhando para a frente. Investir em coisas em extinção nem sempre é a melhor coisa a se fazer. E faço um paralelo com o que acontece e aconteceu no Brasil, com subsídios sucessivos aos combustíveis. Na crise de 2008/2009, a indústria automobilística brasileira solicitou incentivos fiscais ao governo, para manter empregos. Era justo dar? Sim, se houvesse alguma contrapartida. E o lógico era a produção de carros elétricos aqui, ou mesmo, a produção das autopeças para o mesmo, como baterias e motores elétricos. Tínhamos e temos a mão de obra e a matéria prima para isto. Perdemos uma chance. E com os incentivos fiscais e crédito subsidiado, inundamos as ruas com mais carros. O resultado disto foi que a partir de 2010, para propiciar que estes carros andassem, a Petrobras teve que refrear seus aumentos de preços, provocando perdas bilionárias em seu caixa.
Agora, de novo, a Petrobrás é “convidada” a contribuir e não aumentar o preço do diesel, por conta de eventuais protestos de caminhoneiros. E, mais uma vez, decisões são tomadas sem olhar para o mundo que se aproxima, o do veículo autônomo e elétrico. Junte-se a este fato, as recentes notícias de que algumas montadoras irão fechar fábricas no Brasil e, que o governo vai dar incentivos fiscais para a manutenção das mesmas. Se o governo olhar por cima do muro, verá que o fechamento de fábricas de automóveis é fenômeno mundial. As montadoras sabem que o futuro do carro, como um bem pessoal, é um ser em extinção.
Não me chamem de doido. E deixo uma pergunta para os mais velhos. Alguém ainda declara linha de telefone fixo na declaração do imposto de renda? Respostas para a redação.

Publicado no Jornal do Brasil em 15.04.2019

sábado, 18 de agosto de 2018

BULLYING TELEFÔNICO *

Na semana passada, ouvindo uma rádio de notícias quando dirigia na cidade, prestei atenção em uma notícia, onde os jornalistas âncoras da manhã discutiam sobre o incômodo que aposentados sofriam com ofertas de crédito consignado por telefone.
A maior parte dos ouvintes aposentados que enviavam mensagens para a rádio mencionando o fato que, ao dar entrada na aposentadoria no INSS, imediatamente passavam a receber ligações telefônicas de bancos e financeiras oferecendo dinheiro mediante empréstimos.
Imediatamente, tive empatia com estas pessoas, pois no ano passado, finalmente decidi dar entrada em meu pedido de aposentadoria no INSS e passei a receber tais ligações em minha residência. Só não fui importunado por este verdadeiro bullying porque, imediatamente após ao pedido de aposentadoria, viajei para Portugal, e, quem sofreu o assédio foi a pessoa que contratei para manter a casa em ordem durante minha ausência. Esta me reportou as inúmeras ligações diárias que atendia, todas me oferecendo grana.
Na reportagem da rádio, um determinado banco era citado como o que mais importunava os candidatos a aposentados. O banco foi contatado pelos repórteres e alegou não ter nada a ver com a situação relatada. Os repórteres, também, levantaram o fato do sigilo entre cidadão e o INSS, obviamente não mantido pelo INSS. E, se perderam em conjecturas sobre como tal sigilo era rompido e sobre quem ligava para os aposentados.
Como conheço um pouco sobre o sistema financeiro nacional, e para qualquer conhecedor do mesmo, fica óbvio sobre quem faz as ligações. São os correspondentes bancários, figura regulamentada pelo Banco Central, e que faz parte, portanto, do Sistema Financeiro Nacional.
Esta figura, existente em todo o mundo, começou a ser regulamentada no Brasil a partir de 2000. A Resolução BCB 3.110, de julho de 2003, passou a normatizar o funcionamento destes correspondentes bancários. E desde então, diversas resoluções vêm aprimorando o funcionamento dos correspondentes. No assunto em questão, o assédio telefônico dos aposentados, duas resoluções são importantes . A Resolução 3.954 (fevereiro/2011) estabelece no seu Artigo 2º que a instituição bancária contratante do correspondente é a responsável pelo atendimento prestado pelo correspondente, e mais ainda, deve zelar pela integridade e sigilo das operações realizadas por seu correspondente contratado. Esta resolução em seu Artigo 4º diz que a entidade contratante do correspondente deve verificar a existência de algo que desabone o correspondente contratado.
Outra resolução do Banco Central, a de nº 3959, permite que a instituição financeira contratante pode contratar correspondente bancário por ela controlada, ou seja, pode existir correspondente bancário cujo proprietário é a própria instituição contratante.
Pelo que pesquisei nas normas, a resposta dada pelo banco mais citado pelos ouvintes aposentados da rádio, não cabe. A resposta foi um verdadeiro “passa moleque” nos repórteres, minha opinião, claro...
E ficou no ar, para mim, sobre como este sigilo entre aposentado e órgão público, não foi mantido.
De novo, sou de opinião que INSS, a DATAPREV (preposta do INSS no processamento das informações de aposentadorias) e o Banco Central deveriam se pronunciar sobre o assunto. É inadmissível que os cidadãos, que sustentam com seus impostos o funcionamento desta máquina, sejam importunados desta maneira.
Opino sobre isto, porque consigo ver uma diferença brutal na forma de tratamento destes assuntos entre Brasil e Comunidade Europeia. Entrou em vigor no final de maio deste ano, a nova norma europeia para o tratamento de dados (eletrônicos e por outros meios) de cidadãos da Comunidade, ou que tenham relações com a mesma (meu caso). Desde o início do ano, como sou residente temporário em Portugal, passei a receber e-mails de órgãos de governo, de bancos, de lojas em que fiz alguma compra, de escritórios de advocacia e contabilidade com qual mantenho relações profissionais, diversos profissionais, todos, sem exceções, pedindo-me para confirmar dados pessoais e solicitando autorização expressa minha para continuar a me enviar correspondências por e-mail, ou outro meio eletrônico. Também, todos foram textuais em afirmar a manutenção do sigilo de meus dados, e se submetendo às eventuais penalidades legais, caso tal fosse descumprido. Lembremos que, no vigor desta nova norma, Google e Facebook já foram processados e receberam pesadas multas pelo não cumprimento das mesmas. Já aqui em Terra Brasilis, o papo ainda é outro, mas deveria ser mudado.

* Publicado no Jornal do Brasil em 18.08.2018

segunda-feira, 30 de julho de 2018

ALGUNS LIVROS PARA ENTENDER PORTUGAL *

Com essa onda que transformou Portugal no destino preferido do mundo, é bom sempre entender como é o povo português, como pensa, enfim como é a sua psique.
Essa preferência por Portugal está tão grande, que um amigo que retornou de lá há poucos dias, me falou que tinha a impressão de estar na França, tal a quantidade de franceses nas ruas de Lisboa, do Porto e em outros locais que ele visitou.
Acredito que a melhor maneira de entender como um povo pensa e age é através do estudo da história da formação deste povo, como o seu caráter foi moldado e de como ele reagiu às adversidades ao longo do tempo. Desta forma, recomendo alguns livros que poderão ajudar a quem está pensando em passar férias ou mesmo uma temporada em Portugal. Para as férias, acho que isto é uma excelente forma de pesquisa para que locais visitar. E vamos aos livros:
1)            A Primeira Aldeia Global, Martin Page – Este jornalista inglês escreve uma história de Portugal desde os celtas e os romanos e vem até os dias de hoje. Com um texto bem jornalístico, é livro de fácil leitura. É o meu livro guia sobre Portugal, pois foge do academicismo da maior parte dos livros de história. Já citei este livro em alguns de meus textos aqui no JB.
2)            Portugal – Saído das Sombras, Neill Lochery – Historiador inglês que escreveu uma excelente trilogia sobre Portugal. Este é o terceiro livro, que retrata Portugal de 1974, ano em que terminou o Salazarismo, através da Revolução dos Cravos, até os dias atuais. É bom ler a trilogia dele, que começa com Lisboa 1939-1945, a Guerra nas Sombras e Lisboa – 1933 – 1974 – A Cidade Vista de Fora. Esta trilogia é essencial para se entender o Portugal atual.
3)            História Não Oficial de Portugal, Luís Almeida Martins – Este jornalista português fez um bom livro, na mesma onda em que alguns jornalistas brasileiros fizeram sobre a nossa história. Conta, além dos fatos normais da história, alguns casos interessantes, que ficaram fora da história oficial.
4)            As Rainhas de Portugal, Francisco da Fonseca Benevides – Vê a história de Portugal pelo olhar das mulheres que sempre estiveram por trás dos reis portugueses.
5)            Portugal Visto pela CIA, Luís Naves – Através de uma excelente pesquisa nos arquivos oficiais dos EUA, o autor descreve a visão da CIA sobre Portugal, no período dos fins dos anos 40 até meados dos anos 80 do século XX. Interessante sob o ponto de vista de uma visão externa sobre o país, o olhar estrangeiro.
6)            Portugal Visto de Fora, Pierre Léglise-Costa – Mais um livro com a visão do estrangeiro sobre como Portugal é visto pelo mundo, e é interessante pois o autor vai desmistificando alguns clichês sobre o povo português.
7)            Os Portugueses, Barry Hatton – O autor, inglês, mora em Portugal há mais de 25 anos. Uma excelente análise crítica sobre a cabeça do português. E, para nós brasileiros, uma aula de como a nossa cabeça se formou. Muitas similitudes e algumas diferenças fundamentais e profundas. É livro para brasileiro ler, olhando-se no espelho.
A maior parte destes livros, com exceção dos 2 primeiros da trilogia do Neill Lochery, não foi editada no Brasil. Para quem se interessar, eu fiz uma pesquisa e quase todos estão disponíveis no formato de e-book.
E para terminar, existe um outro livro que não aborda diretamente Portugal nem o seu povo. Mas foi escrito por um brasileiro, publicitário, que reside em Portugal há mais de 25 anos, e é um publicitário de sucesso por lá. Para fazer publicidade é necessário conhecer a psique do receptor da mensagem. E isso o brasileiro Edson Athayde conhece muito bem. O livro é A Publicidade Segundo Meu Tio Olavo, livro interessantíssimo mesmo para quem não é da área. Esse livro consegue-se comprar no Brasil.
Boa leitura a todos.


* Publicado no Jornal do Brasil em 30.07.2018

domingo, 22 de julho de 2018

ANEEL PRECISA SE MANIFESTAR PARA RESOLVER IMPASSE DA ELETROBRÁS *



As recentes decisões do judiciário brasileiro em suspender as privatizações concessionárias estaduais de energia elétrica têm um aspecto interessante a ser considerado.
Antes de comentarmos este aspecto, os autores deste artigo esclarecem que são a favor destas privatizações (e de outras), desde que os aspectos legais e de regulação, de equilíbrio entre os entes públicos e de transparência sejam devidamente observados.
Essas empresas se encontram sob o controle da Eletrobras, na sua maior parte desde os anos noventa, quando os estados que as controlavam, transferiram o seu controle para a União, mediante o recebimento de adiantamentos por conta de suas privatizações.
Atualmente, encontram-se com suas concessões em regime temporário, e por decisão de assembleia de acionistas da Eletrobras no final de 2017, as mesmas deveriam ser privatizadas até o final deste mês de julho. Caso não fossem privatizadas, as mesmas teriam suas atividades encerradas, e a operação do serviço de distribuição de energia seria interrompido, caso o poder concedente não renovasse temporariamente a concessão e fornecesse os devidos recursos para a operação.
É importante lembrar que todas estas empresas, exceção feita à Amazonas Energia, vêm apresentando péssimos serviços aos seus clientes, com grandes interrupções no fornecimento de energia, segundo do ranking do Desempenho Global de Continuidade (DGC), elaborado pela Aneel, a agência reguladora do setor.
Em função da decisão do Supremo Tribunal Federal, a Eletrobras está convocando assembleia extraordinária para decidir sobre a continuidade temporária dos serviços.
Neste imbróglio, chama a atenção o caso particular da Ceal, que possui créditos a receber da União, remanescentes da entrega do controle acionário da empresa, discussão objeto de demanda judicial.
Esta demanda judicial, movida pelo estado de Alagoas, prende-se ao fato de que este estado, quando entregou o controle da Ceal à União (em 1998), que por sua vez transferiu as ações e a administração da empresa para a Eletrobras, recebeu um adiantamento pela venda das ações.
Quando a empresa fosse privatizada, lá em 1998, do valor apurado no leilão seria deduzido o adiantamento e o valor restante transferido ao estado de Alagoas. Como o leilão não teve lances, a empresa não foi privatizada desde então, restando uma dívida da União (via Eletrobras) com o estado de Alagoas.
O mais interessante acontece a partir de 2011, pois, através de uma auditoria do Tribunal de Contas da União, verifica-se que a Eletrobras quitou com a União os valores que esta pagou aos estados que transferiram suas distribuidoras à mesma entre 1996 e 1998. E pagou usando recursos de um fundo setorial administrado por ela própria Eletrobras. Tal fato foi considerado indevido por auditoria do TCU.
Mais ainda, em 2017 a Eletrobras em comunicado ao mercado, menciona que irá recompor ao fundo setorial (RGR) valores que usou indevidamente, conforme alertado pela agência reguladora.
Ou seja, apresenta-se uma privatização que possui alguns vícios de origem que ainda não foram devidamente sanados, para que o processo cumpra-se dentro dos melhores rigores de governança e transparência.
Neste cenário, entendemos ser determinante a participação efetiva da agência reguladora, usando o seu poder de assegurar o devido cumprimento das normas setoriais, e para que seja assegurada e melhorada a prestação dos serviços nas regiões afetadas por estas distribuidoras.
Esta participação evitará a intervenção nas empresas, fato permitido pela Lei 12.767/2012, que além de permitir ao regulador indicar os administradores, bloqueará bens dos atuais administradores das empresas e da empresa controladora, a Eletrobras.
E é bom lembrar que o regulador já possui experiência em caso semelhante, a intervenção no Grupo Rede, ocorrida em 2012.
José Roberto Afonso é economista, e professor do IdP e do IbRE/FGV
Maurício Aquino é contador e diretor da Praxis brasil Consultoria

* Publicado na Folha de São Paulo em 14.07.2018

quinta-feira, 5 de julho de 2018

DESESTATIZAÇÃO DA ELETROBRÁS: Espera-se o resgate do bom senso

O assunto CEAL foi analisado por mim e pelo José Roberto Afonso em um artigo que saiu publicado no prestigiado site PODER 360. Este site reúne um time de jornalistas, analistas políticos e analistas de economia de primeira categoria.

Para quem quiser se aprofundar na questão, clique no link abaixo.


https://www.poder360.com.br/opiniao/economia/desestatizacao-da-eletrobras-espera-se-o-resgate-do-bom-senso/

terça-feira, 3 de julho de 2018

NÃO SE PRIVATIZA ESQUELETO *

Os governos no Brasil têm uma compulsão atávica em criar esqueletos no armário. São tantos, a maior parte deles na área econômica, que às vezes perdemos a conta. Polonetas, depósitos compulsórios de diversas ordens (o das viagens ao exterior, alguém lembra dele?), e sempre cabendo mais um esqueleto nesse armário.
O recente caso das Centrais Elétricas de Alagoas – CEAL é mais um deles, pois arrasta-se  há mais de 20 anos. Rememorando o assunto, vamos a 1996, quando a maior parte dos estados brasileiros estavam quebrados. O Plano Real havia interrompido a farra inflacionária e com taxas de inflação mais civilizadas, não se podia mais usar a alta inflação como mecanismo de financiamento.
O Governo Federal, inteligentemente, propôs aos estados que lhe entregassem suas estatais, em troca de recursos, e estas seriam privatizadas. O foco principal eram os bancos estaduais que funcionavam como casas da moeda paralelas., mas outras estatais que tivessem algum valor para eventuais interessados, também poderiam ser entregues.
Este foi o caso de Alagoas, que entregou ao Tesouro Nacional as ações da sua distribuidora de eletricidade. A CEAL foi federalizada, e seu controle acionário e administrativo foi passado à Eletrobrás. Era 1996, e esta transferência de controle foi suportada por uma lei estadual de 28.08.1996, quase 22 anos. Relembremos que, nesta época, o Governo de Alagoas enfrentava uma série crise financeira, com sucessivos atrasos nos pagamentos de suas obrigações, notadamente a fornecedores e a funcionários públicos.
No setor elétrico, estados semelhantes a Alagoas (RN, SE, CE e BA) federalizaram,  também, suas distribuidoras de energia.
Os processos de privatização destas distribuidoras avançaram ao longo de 1996 e 1997, dentro dos trâmites do Programa Nacional de Desestatização, e as distribuidoras de BA, CE, SE e RN foram privatizadas entre agosto/97 e abril/98. A CEAL ficou para trás, apesar do processo burocrático normal nestas privatizações estar concluído. E o fato preponderante por este atraso foi a situação política no estado, cujo ápice foi a renúncia do governador e uma “intervenção branca” nas finanças do estado pelo Governo Federal, com a nomeação de um coronel do exército para secretario de finanças do estado em junho de 97. Como fazer um leilão nesta situação? Assim, este foi adiado e marcado para dezembro/1998, e foi um leilão onde não apareceram concorrentes. E por que? Lembremos que do fim de 1997 a 1998, ocorreram as crises econômicas da Ásia e da Rússia, com ataques especulativos às suas moedas e quando estes começaram contra o Brasil, o Banco Central aumentou a taxa referencial da época, a TBAN, de 20% para 43%, ao longo de 1998. Os investidores ficaram sem um parâmetro financeiro para balizar seus lances.
Surge, então, o problema: Alagoas transferiu um ativo para o Governo Federal, por valor aproximado de R$ 450 milhões. O Governo Federal, por sua vez, adiantou um valor de R$ 250 milhões, tudo em valores da época. Alagoas ficou com um crédito pela diferença, crédito este que deveria ser quitado quando a privatização ocorresse. Como a privatização não ocorreu, e não houve entendimento como este valor seria quitado, apareceu o cadáver, que se tornou o atual esqueleto, 20 anos após, e com potencial de se transformar em mais um imbróglio jurídico.
Fazendo um paralelo deste caso com as demandas decorrentes das poupanças retidas no Plano Collor, vemos que passou-se da fase de esqueleto para imbróglio jurídico. E este foi finalmente resolvido, graças a um bom entendimento entre as partes envolvidas (demandantes, FEBRABAN, AGU, BACEN e Judiciário). Os números envolvidos, que a princípio eram alarmantes, podendo até quebrar o sistema financeiro nacional, hoje verifica-se que são da ordem de R$ 12 bilhões. Não quebram os bancos, poupadores ficam satisfeitos, ou seja, um bom acordo.
Esperamos que o bom senso também prevaleça no caso da CEAL, onde os atores envolvidos, e bem orientados pelo Judiciário, cheguem a um acordo, que evitará enormes prejuízos a toda a população, principalmente a de Alagoas, com a ameaça de interrupção do fornecimento de energia elétrica. E, também, em nada ameaça a Lei de Responsabilidade Fiscal, tanto para a União quanto para Alagoas. Afinal, os valores envolvidos são de menos de 0,05% do orçamento nacional para este ano.

JOSÉ ROBERTO AFONSO, economista, professor do IDP e pesquisador do IBRE
MAURICIO AQUINO, contador e diretor da Praxis Brasil Consultoria

* Publicado no Jornal do Brasil e na Gazeta de Alagoas em 03.07.2018

terça-feira, 26 de junho de 2018

TRIBUTOS BRASIL X PORTUGAL Alguns contrastes e algumas semelhanças

Saindo um pouco do turismo e o verão português, comento alguns aspectos da tributação no nosso país e em Portugal. O assunto me parece interessante em função do momento em que vivemos, e também pela necessidade inadiável do nosso país efetuar mudanças estruturais com relação a tamanho de estado (o denominador da fração), a uma reforma tributária séria (o numerador da fração) e a questões das políticas públicas face aos desafios presentes e futuros da nossa sociedade (o resultado da fração). Alguns poderão achar que estou sendo simplista, mas a boa e velha aritmética, nossa velha esquecida de primeiros anos de escola, sempre ajuda a explicar algumas coisas.
Resolvi focar como exemplo 3 produtos de consumo (cerveja, cigarro e combustíveis), impostos sobre patrimônio e doações, impostos sobre dividendos e a tributação envolvida nas folhas de pagamento de empresas. Acredito que são exemplos que afetam toda uma população, direta ou indiretamente, nos dois países pelos quais sou apaixonado.
O ponto principal que temos que levar em conta é que existem duas diferenças básicas entre Brasil e Portugal, uma óbvia, envolvida com o sistema organizacional do Estado e a outra temporal. No Brasil, são 3 as esferas que podem cobrar impostos (União, estados e municípios) fato definido pela Constituição de 1988. Em Portugal, são duas esferas, governo central e autarquias (municípios). Com relação ao fator temporal, o atual sistema tributário brasileiro data da reforma de 1966, com algumas alterações introduzidas pela Constituição de 1988, que ampliou a possibilidade dos 3 entes tributantes criarem e legislarem sobre impostos, taxas e contribuições. Em Portugal, o sistema tributário atual data de 1976, com a promulgação da atual Constituição e pelas mudanças introduzida em fins dos anos 80 do século passado, para adequar Portugal para a sua entrada na União Europeia.
Outra diferença básica, entre Brasil e Portugal, é que o atual sistema tributário brasileiro permite a cobrança de imposto sobre imposto, e com a diferença de tributação entre estados e municípios, torna-se muito difícil apurar efetivamente o quanto de imposto se paga em cada produto. Nas comparações que farei a seguir usei duas fontes de informação. O IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação e para Portugal os dados são da AICEP (agência do governo português) e da Fundação PORDATA.
Segundo dados da OCDE (Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) para 2016, a carga tributária do Brasil é de 35,4% do PIB enquanto em Portugal este número está em 34,4%. O Brasil possui mais de 50 tributos, taxas e contribuições, enquanto em Portugal possui somente 13 impostos, taxas e contribuições.
O cálculo dos impostos em Portugal é mais simples do que no Brasil, sendo que o número de informes e obrigações acessórias que se prestam ao governo são também muito menores. Resultado – ponto a favor de Portugal.
A tributação da cerveja no Brasil, conforme o IBPT varia de estado para estado, por conta principalmente do ICMS. É de 35,52% no Rio, enquanto é de 41,11% em SP e 40,7% em MG. Em Portugal, além do IVA (imposto sobre o valor agregado) nas vendas, é cobrado um dos impostos especiais, o IABA (imposto sobre álcool e bebidas alcoólicas), que varia de acordo com o teor alcoólico da bebida produzida. Em média, o chopp (imperial em Lisboa ou Fino no Porto) tem 26% de imposto; fiz este cálculo, porque o IABA é cobrado por hectolitro produzido e levei em conta o preço ao consumidor de um chopinho. Chopp mais forte, mais caro e mais imposto pago.
Aos fumantes, cigarro é caro em qualquer lugar da Europa por conta dos impostos (altos para fumo em qualquer lugar do mundo). A exemplo das bebidas alcoólicas que têm taxação mais alta a medida em que o teor alcoólico da bebida é maior, o mesmo acontece com o cigarro em Portugal. A taxação em Portugal, além do IVA, também tem um dos impostos especiais, o IST (imposto sobre tabaco) que tem uma parcela fixa e outra variável, cobrado por grama de tabaco, e quanto mais teor de nicotina e outros componentes do cigarro, maior a parcela variável. Desta forma, o fumante português paga em torno de 72% a 85% do preço do produto. No Brasil este imposto situa-se na faixa de 80% do preço final. Decretamos empate neste quesito, com um benefício para Portugal, pois em tabaco e álcool são praticadas políticas tributárias com foco em políticas públicas de saúde, penalizando quem fuma cigarros mais “fortes” e bebidas alcoólicas idem.
Combustíveis é um outro exemplo da atuação de políticas públicas em Portugal. No Brasil, a taxação média (de novo, as diferenças no ICMS dos estados), segundo dados da Fecombustíveis, a gasolina tem 43% de impostos, o diesel 27% e o etanol 26%. Já em Portugal, além do IVA, são cobrados o ISP (Imposto sobre petróleo) e a CSR (contribuição de serviços rodoviários), instituída a partir de 2007, para a manutenção das estradas vicinais e as antigas rodovias nacionais, que ficaram na mão do Estado Português, pois as novas autoestradas que rasgam o país são quase todas privadas e com pagamento de pedágio. O português paga em média 62,6% de impostos na gasolina e no diesel é de 55,11%, com um dado que é o fato de que a parcela variável do ISP, e a CSR de veículos a diesel (gasóleo) ser maior do que os veículos a gasolina, já que Portugal quer eliminar a venda de autos a diesel a partir de 2025. Ponto para o Brasil, menos impostos nos combustíveis, mas com um agravante que é a nossa falta de políticas públicas na substituição do diesel, principalmente nas frotas de ônibus urbanos. Poderiam estar rodando com gás natural, o que já acontece em Portugal.
Tributos sobre heranças e doações é um aspecto de semelhanças no Brasil. Em Portugal, atualmente não há tributação sobre heranças e doações. Existe somente a cobrança do imposto do selo (10%) no recebimento de heranças e doações por irmãos e outros. No caso de recepção por cônjuges e filhos há a isenção do imposto. No Brasil, a alíquota de tais impostos, cobrado pelos estados, foi recentemente aumentada para 8%, sendo que não há isenções para herdeiros diretos. Gol de Portugal.
Com relação a dividendos, a tributação brasileira isenta os dividendos de tributação. Já, em Portugal, a tributação de dividendos para as pessoas físicas (IRS – IR singulares) é de 28% e para as pessoas jurídicas (IRC -  IR – coletivas) é de 25%. Ponto para o Brasil.
Ressalto que os dois  países não tem taxações explícitas sobre heranças ou patrimônio. Existem apenas as taxações sobre veículos e imóveis, comum aos dois países.
No caso dos custos trabalhistas, Portugal leva vantagem. A quantidade de encargos, tributos e custos acoplados na folha de pagamento brasileira, é maior do que a portuguesa. Isso, apesar de Portugal ter um 14º salário por conta das férias e no Brasil esse salário de férias é de 1/3 do salario mensal. O Brasil, em média, tem custos acoplados a folhas de pagamento da ordem de 72% e os de Portugal são da ordem de 60%.
O ponto final é que são sistemas muito distintos, com um número de impostos muito menor em Portugal, e que o sistema português é mais simples do que o brasileiro. Também, a visão tributária portuguesa, além do fator arrecadador, tem uma visão focada em políticas públicas de cunho, na maior parte, compensatórias.