Como vocês
sabem, eu gosto de história e tive a sorte (ou ajuda divina) de ter tido bons
mestres nesta área. Sou muito grato a eles (Ilmar, Ella, Manoel Mauricio e
Francisco Jacques).
A
história, às vezes, nos ajuda a compreender determinados fatos presentes.
Ontem, em função da tragédia da Linha Amarela, lembrei de fatos que presenciei
anos atrás (longos anos) e tirei algumas conclusões, que guardarei para mim.
Mas, contarei a história e acredito que os leitores deste blog possuem uns bons
neurônios e chegarão na mesma conclusão que cheguei.
Vamos lá:
Em meados
de 1955, eu era um fedelho de 4 para 5 anos e meu pai comprou um apartamento na
Rua Assunção, em Botafogo. Sou nascido e criado neste bairro, além de bom
torcedor do clube de mesmo nome (pra quem não sabe). Grande animação na
família, primeiro imóvel próprio, mudança à vista. Mas havia um detalhe com o
qual ninguém contava, e principalmente minha mãe.
A Rua
Assunção, nesta época, era uma rua bucólica, na maior parte de casas, poucos
prédios de apartamentos, alguns terrenos baldios, 2 ou 3 botequins de esquina.
Tinha também, quase ao lado do meu prédio uma rua de terra batida, repleta de
garagens de ônibus, oficinas mecânicas e no fim dela a entrada de uma ...
pedreira!!!
Era a
única pedreira e concreteira na Zona Sul do Rio. Era um inferno, pois a
pedreira usualmente implodia rocha 2 vezes por dia. Três sirenes, e ao final da
última, buuum!!!! E tremia tudo. Minha mãe ficava exasperada, pois a camada de
poeira nos móveis era um inferno, além dos tremores.
Meu pai
também se irritava por outros motivos. Foi síndico de nosso prédio por várias
vezes e, vez por outra o Segredo errava na mão e a explosão era fenomenal,
voando brita até na Praia de Botafogo. E meu pai ia na administração da
pedreira cobrar o custo das telhas quebradas. Ele e mais um montão de gente. Em
tempo, Segredo era o cara que colocava a dinamite tinha este apelido pois era
meio surdo por conta dos deslocamentos de ar e falava aos berros; também tinha
que berrar lá do alto do morro, pro pessoal lá em baixo. E o Segredo era movido
à cachaça, bebia além da conta e dinamite além da conta.
Como vocês
podem ver, era sensacional, pra nós crianças e pré adolescentes. Mas para os
adultos era infernal, pois além das explosões, havia uma poeirada danada,
cobrindo móveis, carros, vidros, roupas nos varais, etc.
Em 1960, o
Rio virou Estado da Guanabara, com um governador que resolveu tirar alguns
problemas crônicos da cidade, transformando-a em um tremendo canteiro de obras.
As principais foram os túneis (Santa Bárbara e Rebouças), o sistema de águas do
Guandu, para acabar com a crônica falta de água na cidade e, também, fez uma
beleza, que foi o Aterro do Flamengo.
Vocês,
leitores mais jovens (ou os mais velhos desmemoriados). Devem imaginar o que
foi. A cidade virou um canteiro de obras, muito mais do que hoje em dia. E os
túneis e o Aterro eram na Zona Sul, requerendo montanhas de rocha (o
enrocamento do Aterro) e brita para concreto. Lembro que na pedreira, além da
dita cuja, havia uma concreteira. A necessidade de cumprir prazos e diminuir
custos era grande e vocês devem imaginar que a pedreira da Rua Assunção foi
vital para as citadas obras. E apesar das reclamações dos moradores de
Botafogo, a mesma continuou impávida.
Em finais
de 64 ou início de 65, retornando do ginasial, por volta de meio dia, chego na
Rua Assunção e a mesma parecia um circo, com jornalistas, rádios, TVs,
políticos e a população aos gritos: Lacerda, Lacerda!!!! Ele tinha interditado
a pedreira atendendo a pedidos da vizinhança. Era o herói do dia. Só que os
túneis já estavam funcionando (o Rebouças com uma galeria), o Aterro ia ser
inaugurado e a pedreira, portanto, era somente uma pedreira, não é?
Interessante,
não?
Pulemos no
tempo e deixo os seguintes indicadores para uma analogia histórica com o
acidente da caçamba na Linha Amarela.
- o corredor de BRT chamado de Transcarioca corre paralelamente à Linha Amarela;
- segundo a imprensa, a pedreira (abandonada) ao lado do pedágio da Linha Amarela está sendo usada como depósito de entulho;
- a Transcarioca, segundo li, tem que ser inaugurada até abril, para a Copa e está atrasada;
- os moradores no entorno da Linha Amarela dizem que o tráfego de caçambas, apesar das proibições de horário, é ao longo das 24 horas.
Coloquem
seus neurônios para funcionar.
E para quem
quiser, e só pessoalmente, tenho mais uma história deliciosa sobre a pedreira.