segunda-feira, 26 de março de 2018

ENERGIA E TELECOMUNICAÇÕES EM PORTUGAL *

O JB pediu-me para dar uma explicação de como funcionam os serviços de energia e de telecomunicações em Portugal. Como o que usualmente escrevo aqui tem como o foco o cidadão brasileiro, enfatizarei os aspectos que facilitam a vida dos portugueses nestes serviços. E, no fundo, respondendo a vários leitores que me escreveram: “ah!, Mas Portugal é menor, menos gente, é mais fácil!”, eu digo que o ponto decisivo não é tamanho, é uma questão de foco. O foco do país está no cidadão.
Mas, vamos falar do setor de energia e com o foco no consumidor doméstico. Este setor é praticamente 100% tocado pelo setor privado. Os setores de produção e de comercialização de energia são liberalizados, e transmissão e distribuição, cada um com uma empresa, são regulamentados. Diversas são as empresas produtoras e comercializadoras. Todas são regulamentadas e fiscalizadas por uma agência reguladora, a ERSE.
Todos os contratos são assinados com empresas comercializadoras de energia (17 para a energia elétrica e 11 para gás). As principais são EDP, GALP, Iberdrola e Endesa, sendo que muitas operam energia elétrica e gás natural. A escolha do fornecedor destes dois insumos é livre, diferentemente do Brasil, onde vigora um regime de monopólio geográfico na distribuição/comercialização de energia, para os consumidores domésticos.
Como o regime é de livre competição, e o cliente pode trocar de fornecedor quando e quantas vezes quiser (desde que respeite as condições pactuadas, e sem prejuízo de fornecimento), os clientes se deparam com diversas opções na hora de escolher seu fornecedor de energia (luz e gás). É comum termos tarifas reduzidas para coisas do tipo fatura eletrônica, débito automático. Também são oferecidos ao cliente serviços tais como seguros de equipamentos, revisões e manutenções (preventivas ou em caso de danos), escolha da matriz de energia (somente renovável ou mista), entre outras coisas. Realmente, o cliente português se depara com uma enormidade de opções na hora de escolher seu fornecedor, e mesmo depois de contrato assinado, fica sendo bombardeado por ofertas dos concorrentes.
Outro atrativo é que o cliente tendo alguns cartões de afinidade de redes de supermercados ou de lojas, às vezes estes também dão direito a descontos nos contratos de energia ou alguma outra vantagem. Aliás, cartão de afinidade ou de descontos (não são cartões de crédito de bandeira do lojista) são uma febre portuguesa. Todo comércio grande que se preze, tem seu cartão de afinidade (lojas de roupas, livrarias, redes de supermercados, lojas de produtos naturais etc). Um ano em Portugal deu para colecionar mais de 8 cartões destes, e que te dão descontos, promoções etc.
Com relação ao setor de telecomunicações, são 4 empresas que atuam no setor (Vodafone, Nos, Nowo e Meo – antiga Portugal Telecom e que a partir deste ano se chamará Altice). Todas fornecem praticamente os mesmos serviços de telefonia fixa e móvel, TV a cabo, fibra ótica e internet. A agência reguladora deste mercado é a Anacom. Os planos são muitos, com diversas promoções o ano inteiro numa concorrência desenfreada.
E falando em custos, para a energia elétrica, fiz uma simulação para um apartamento de 2 quartos que consuma 150 kWh/mês e usei uma taxa de câmbio de R$ 4,10 por euro. Usando a tarifa média (2016) de um fornecedor que obtive no site da ERSE, a conta de luz daquele apartamento daria o equivalente a R$ 131,00 enquanto que o mesmo apartamento no Rio de Janeiro (tabela Light março/2018, em bandeira branca intermediária) daria uma conta de R$ 140,52, diferença não muito grande. Entretanto, e como já virou comum por aqui, esta conta pula para R$ 148,02, caso esteja em vigor a bandeira vermelha de nível 2, normalmente ocorrendo em períodos de secas dos reservatórios das nossas hidrelétricas.
No tocante aos custos de telefonia, quem vai a turismo para Portugal, compre um chip de pré pago e veja as promoções destes chips para o volume de internet móvel. Para quem vai ficar uma temporada maior, é bom pesquisar os planos das operadoras para os combos de TV, internet residencial, e telefonia móvel. Se você ficar em um residencial com serviços (foi o meu caso), nem pense 2 vezes, chip pré pago que sai mais barato porque as operadoras querem sempre um ano, no mínimo, de fidelização. Eu gastava em média 30 euros por mês (R$123,00) no pré pago, enquanto um plano pós pago sairia por mais de 45 euros (R$ 184,50). E a dica final, internet móvel em Portugal não é problema, pois todos os shoppings, grandes lojas, restaurantes, cafés, etc oferecem internet gratuita. E, na cidade do Porto, os ônibus urbanos são antenas móveis de celular, dentro e fora deles. Ele se aproxima do ponto e ... pimba!!! Você se conecta na rede sem cadastro, sem firulas, sem exigências. Falaremos disto – o Portugal tecnológico, em outro artigo.

*Publicado no Jornal do Brasil de 26.03.2018

segunda-feira, 19 de março de 2018

PORTUGAL E A PEGADINHA POPULACIONAL *

Dentro da tradição histórica de encarar o futuro de frente, mania portuguesa desde a fundação do país, no século XII, Portugal está atacando um problemão que tem pela frente.

Quando passei uma temporada de quase um ano em Portugal, acompanhando minha mulher que lá foi estudar, fiquei impressionado com a quantidade de estrangeiros que estavam passando a residir no país. É, estrangeiros de tudo quanto é lugar, e os brasileiros não têm a primazia nisto. Segundo estatísticas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Portugal (SEF), os povos de língua portuguesa ainda são a maioria dos residentes estrangeiros, liderados pelos brasileiros, e seguidos por angolanos, moçambicanos, cabo-verdianos.  Mas, a partir de 2015, o maior percentual de crescimento nos pedidos de concessão de vistos de residência são de franceses, seguidos por ingleses, alemães e holandeses.

E qual a razão para tal afluxo de estrangeiros para Portugal? São as vantagens fiscais concedidas para quem fixa residência por lá, conjugado com a facilidade de concessão dos vistos de residência e de cidadania. As vantagens são inúmeras, tais como pode abrir conta em banco como não residente fiscal, a existência da figura do contribuinte eventual de imposto de renda (taxado a 20% na fonte), entre outros. E estamos falando de pessoas de certa idade e com renda, principalmente de aposentadorias. Mas e os jovens? Portugal aceita as notas do ENEM brasileiro para matrícula em universidades, o país já pratica os artigos do Protocolo de Bolonha (conjuga a graduação com o mestrado) que na prática, com mais seis meses ou um ano de estudos, o aluno sai com o bacharelado e o mestrado completos, o país tem cotas para estudantes da comunidade europeia e fora dela, cotas para professores estrangeiros, etc.

Nos próximos artigos que escreverei por aqui irei abordar alguns destes aspectos detalhadamente, e procurar demonstrar a importância deles, tanto para Portugal como para quem vai para lá, mesmo que seja por uma temporada.

Mas por que Portugal está fazendo tudo isto? O país tem uma armadilha populacional pela frente. O país possui hoje por volta de 10,3 milhões de pessoas e as projeções indicam que em 2080 serão 7,5 milhões, já ficando abaixo dos 10 milhões em 2031. Para 2080, o número de jovens cairá dos atuais 2,1 milhões para 0,9 milhão, com a subida do número de idosos de 2,1 milhões para 2,8 milhões. A consequência disto é a diminuição da população economicamente ativa os atuais 6,7 milhões para somente 3,8 milhões em 2080.

Ou seja, se nada for feito, Portugal em 2080 deixa de ser economicamente viável como nação. E, só estamos falando de números, sem ser levado em conta a revolução na economia que já se inicia, a economia 4.0 (ou Gig Economy). Resumo da história: Portugal precisa de gente lá dentro estudando, trabalhando e gastando.

Ou seja, toda esta atração por Portugal, as suas premiações como melhor destino turístico por anos seguidos, as vantagens para se fixar por lá, fazem parte de um planejamento global que visa eliminar, ou minorar, esta armadilha que o país tem ela frente.

Quem resolver nos acompanhar aqui nas páginas do JB vai ter que ter sempre em mente esta equação populacional, porque tudo o que acontece por lá tem isto por premissa.

E quem quiser maiores detalhes, basta entrar no site do Instituto Nacional de Estatística de Portugal (INE) em www.ine.pt.


*Publicado no Jornal do Brasil de 18.03.2018, com o título Portugal e a pegadinha

domingo, 11 de março de 2018

CURIOSIDADES SOBRE O SISTEMA BANCÁRIO PORTUGUES *

Portugal é um membro pleno da Comunidade Europeia desde 1991, após um período de adaptação que se iniciou em 1986. Primo pobre na época de sua entrada na CE, Portugal sempre teve em mente que tinha que dar saltos evolutivos para se equiparar aos países mais ricos da Comunidade.

Isto se deu em todos os setores da vida portuguesa, e a adoção maciça de meios de informática é uma tônica no país. Posso afirmar, sem nenhuma dúvida, que o nível de informatização portuguesa é maior do que o do Brasil.

E isto se reflete no sistema de bancos em Portugal. Um dos aspectos mais interessantes disto é o alto nível português de bancarização se comparado ao do Brasil. Em dados do Banco Mundial, para 2014, 87% da população com mais de 15 anos possui conta em banco, comparado com 68% da população. Brasileira. Mas o dado mais interessante (dados de 2011) é que 74,8% dos mais pobres portugueses possuem conta em banco, contra somente 39,4% no Brasil.

Uma das justificativas que vejo para este alto nível de bancarização portuguesa é o Sistema Multibanco. Portugal ainda é um pais pobre, baixos níveis salariais se comparado com outros países da CE. A economia portuguesa, pelo seu tamanho, não suporta altos custos de transações, e com esta filosofia em 1986 foi criada a SIBS, empresa que gere o sistema Multibanco e que tem como acionistas todos os bancos portugueses.

Um fato engraçado sobre o Multibanco ocorreu comigo, por volta de 2003 ou 2004, quando quase perdi a paciência com um amigo e parceiro de negócios que tinha morado em Portugal por mais de 10 anos e vivia reclamando que no Brasil não tinha Multibanco, achava um absurdo. De tanto reclamar, quase que brigamos no meio da Av. Rio Branco quando ele reclamou mais uma vez. Morando em Portugal, entendi o porquê.

Com o cartão do banco em que você tem conta, e é um cartão Multibanco ou MB, você opera em mais de 13 mil caixas por todo o país, inclusive nas ilhas (Açores e Madeira). Você faz tudo naquela máquina, transfere, paga, pega empréstimo, etc. Praticamente todo o comércio e serviços de Portugal tem maquininha MB, você compra cafezinho e come pastel de natas (“doença nacional”, uma delícia), coisa de 1,20€ e paga com o MB.

Mais ainda, e esse é o pulo do gato de diminuição de custos de transação, qualquer repartição pública portuguesa, em qualquer canto do mundo, tem maquininha MB. Português com menos de 50 anos não sabe o que é uma guia de pagamento de taxas e impostos. Vai no cartório público para tirar 2ª via de um cartão do cidadão, e pagas a taxa com o teu cartão MB. A grana sai da tua conta no ato e entra na conta do governo no ato. Não existe banco intermediário, girando 24 horas com a grana do governo.

Se agarrares um português na rua e o sacudires, cairá do bolso dele algumas moedas e, talvez uma nota de 10€, isso se ele tiver acabado de saca-la na máquina do MB. Em resumo, quem não tem conta em banco em Portugal, está andando a pé.
Abrir conta em Portugal é simples, você pode abri-la como não residente, e basta tirar um NIF – Número de Identificação Fiscal (o CPF deles) em qualquer posto da Autoridade Tributária, e apresentar um comprovante de residência, no caso, do Brasil. Serve conta de luz, de TV a cabo, etc

São muitos bancos, todos atenciosos (exceto o BB, fuja!! Experiência própria tétrica). Hoje são menos do que em 2008, e no pós crise, houveram falências e fusões. Eu diria que o nível de concentração é médio e todos competem, oferecendo praticamente os mesmos serviços, a taxas baixas. As tarifas são baixas, excetuando-se algumas, tipo o cheque bancário, o nosso cheque administrativo. As operações não usuais possuem as tarifas mais altas.

E como a inflação é baixa (IPC de1,466% em 2017), os rendimentos de aplicações financeiras são baixos, bem como as taxas cobradas em empréstimos são baixas, sendo o financiamento de autos usados o mais caro, com juros reais beirando os 9% ao ano.

Quanto a financiamentos imobiliários, o seu custo é baixo, ficando entre 3% e 4% ao ano e o prazo de financiamento é travado nos 70 anos de idade do tomador, ou seja, é negócio compra imóvel com financiamento bancário em Portugal, se você tem menos de 55 anos de idade. A partir desta idade. É bom pensar antes.


No resumo, os custos na relação cliente x bancos, em Portugal, são mais baixos do que no Brasil. Nossos custos de transação em todos os setores ainda são muito altos.

*publicado no Jornal do Brasil, de 04.03.2018, pág. 15

segunda-feira, 5 de março de 2018

FILHOS DOS OCEANOS SEM LIMITES *

Quando o redivivo JB pediu-me para escrever sobre Portugal, por conta da minha
experiência em auditoria e finanças, e também pelas minhas idas e vindas para lá nos últimos oito anos, vi-me em palpos d’aranha. A língua é a mesma, algumas coisas são parecidas mas as diferenças são profundas.

Por ser pequeno e ter que contar somente consigo, o português aprendeu desde cedo a planejar seu futuro, e a fazer o seu destino. O que atrai hoje em Portugal a quem lá chega, seja a negócios, a turismo ou mesmo para residir? Todos, sem exceções, encontram um pais descomplicado, baixo nível de burocracia, um altíssimo nível de informatização tanto na iniciativa privada quanto no governo. Serviços como o Multibanco, o sistema de cobrança eletrônica de pedágios, a competição acirrada no setor de distribuição de combustíveis e de gás e energia elétrica, impressionam sejam brasileiros, ingleses ou americanos.

E, por ser um país de poucos recursos, com baixos níveis salariais, e pouca disparidade salarial entre níveis funcionais, o país como um todo ajustou-se a ter preços baixos, e em praticamente tudo. É comum, nas semanas que antecedem às grandes datas do comércio, vermos hordas de turistas, principalmente espanhóis, nos outlets portugueses. O custo de vida é realmente mais baixo por lá.

Outra pergunta que meus amigos fazem é sobre a carga tributária em Portugal. De maneira geral ela é mais baixa que no Brasil, principalmente para as pessoas físicas. O grande tributo sobre consumo é o IVA – Imposto sobre Valor Agregado. Nada de ICMS, IPI etc. O IVA tem uma alíquota geral de 23% sobre os produtos e serviços, mas existem para determinados produtos e serviços alíquotas de 6% e 13%. Também estas reduções são aplicadas nas ilhas da Madeira e Açores. E reduções são aplicadas em produtos de cesta básica (vinho está na cesta básica e paga 13%). Enfim, para o residente ou turista, fazer mercado em Portugal está mais barato que no Brasil, mesmo com a atual taxa de câmbio (por volta de R$ 4 por euro). E no pragmatismo tributário português, serviços de hotéis e assemelhados pagam 6% de IVA, o que significa hospedagem barata para o turista.

O sistema tributário português é mais simples do que o nosso, menos impostos, e alíquotas na maior parte mais baixas. Espero continuar escrevendo aqui no JB para abordar com mais profundidade como é o custo de vida em Portugal, o custo dos impostos para as empresas e outros assuntos de interesse geral.

E falar sobre a qualidade de vida em Portugal, da boa comida, dos bons vinhos, isto já é um lugar comum nos últimos tempos. Escrevo este texto sobrevoando algum lugar da costa africana, perto do Senegal, voltando de uma temporada de quase três meses em terras lusas. E ao folhear a The Economist, vejo que mais um ídolo meu se vai: John Perry Barlow, fazendeiro, guru da internet, poeta, letrista do Grateful Dead. Barlow, na letra da música Cassidy – talvez sua mais famosa letra, fala sobre “um filho de um oceano sem limites”.

Esta frase define o espírito português. Portugal, desde o seu nascimento (1172) foi sempre uma pequena nação virada de costas para a Europa. Território pequeno (metade do Estado do Rio), população idem (10,5 milhões), Portugal sempre sobreviveu e cresceu olhando para frente, planejando seu futuro e procurando as alianças certas. Templários na sua fundação, que lá se transformaram na Ordem de Cristo, os ingleses, através de casamentos reais, desde o século XIV, os americanos no pós 2ª Guerra e, recentemente a União Europeia.

Enfim, é um país bom para se visitar, com um povo simpático e hospitaleiro, e é um país que surpreende a quem vai lá pela primeira vez. O português é um povo que traça seu destino, planeja seu futuro e gosta de estar na fronteira da última tecnologia. Quando algum dos leitores do JB for a Portugal, procure observar este “espírito português do oceano sem limites” e, quem sabe, tentar começar a implantá-lo neste nosso Brasil que, na minha opinião, não gosta de planejar no longo prazo.


* Na edição do JB do dia 04.03.2018 saiu com o título “As Vantagens Fiscais de Brasileiros em Portugal”