quarta-feira, 30 de maio de 2018

A FALTA DE VISÃO ESTRATÉGICA (1)

Que o Brasil há mais de 20 anos não repensa o país e faz um planejamento de longo prazo, coisa de olhar o país 50 anos para a frente, é um fato que a maior parte dos brasileiros, se pararem para pensar, vão verificar que isto é correto.
Esta mania nacional de “tocar a orquestra no improviso” realmente não funciona. Nenhuma orquestra toca de improviso, e falo de orquestra sinfônica com mais de 80 músicos. Improviso, somente em pequenos grupos de blues ou jazz, e assim mesmo, se o grupo tem 5 membros, pelo menos 4 tem que ser virtuosos. Palavra de músico.

A recente greve dos caminhoneiros nos mostra isso. E vou lembrar um fato recente ocorrido em 2009 e 2010. Fato que mostra que decisões para resolver problemas imediatos, mas que não leva em conta o destino a que queremos chegar nos próximos 10 ou 20 anos, normalmente não dão certo no longo prazo. Resolve um problema pontual, mas cria um maior ainda e quase insolúvel no futuro.
Entre 2001 e 2010, o governo federal, face a crise mundial da época, e com o objetivo imediato de não deixar a economia parar e manter empregos, concedeu para a indústria enormes incentivos fiscais e creditícios e, paralelamente, também afrouxou o crédito para incentivar o consumo.
Resolveu o problema imediato? Sim. O PIB nacional que em 2009 tinha sido negativo (-1,11%), saltou em 2010 para um PIB positivo de 6,49%.
Onde ocorreram os erros?
1 – Pelo lado dos incentivos ao aumento de consumo, estes se esgotaram dois anos após, e isto pode ser verificado pelo PIB de 2011 (2,99%) e de 2012 (0,97%), além de ter gerado uma inflação ascendente, que passou de 4,31% em 2009 para 10,67% em 2015. E por que o modelo de incentivo ao consumo esgotou-se? Porque satisfeitas as necessidades reprimidas de bens de consumo, principalmente os duráveis, as pessoas e empresas pararam de comprar. Ou seja, caminhoneiros renovaram ou aumentaram suas frotas, todos trocaram de automóveis ou compraram o seu primeiro veículo, trocaram geladeiras, fogões, TVs, etc.
2 – Pelo lado dos incentivos fiscais concedidos à indústria, temos sempre que ter em mente que todo e qualquer incentivo fiscal é uma renúncia fiscal, ou seja, os governos deixam de arrecadar uma parcela de determinado imposto em prol de um bem, normalmente social, maior. A justificativa, naquele momento, foi a manutenção de emprego.
3 - Pelo lado dos incentivos creditícios concedidos, e que foram taxas de juros vantajosas (foram juros negativos, abaixo da inflação) e prazos maiores do que os habituais, isto gerou uma massa de endividamento muito alta, tanto de pessoas físicas como jurídicas.
Esgotado o modelo, e com a maior recessão que este país já viu, com PIB negativo por praticamente 4 anos, o resultado é: uma massa de endividados, empresas com vendas em sucessivas quedas e também endividadas.
A crise dos caminhoneiros é exatamente isso. Endividados, que não conseguem lidar com os bancos que concederam os créditos, vão no ponto mais imediato, que é o preço do diesel que subiu no último ano por conta do preço do barril do petróleo dobrou) e por conta da valorização do dólar frente a todas as moedas, inclusive o real.
Vê-se que foi tomada uma decisão no curto prazo sem ter uma alternativa para uma recessão no país e sem levar em conta que uma economia não se sustenta no longo prazo somente baseada no consumo, e sem a devida poupança.
Outro fator mais grave é que foram concedidos incentivos fiscais ä indústria, notadamente a automobilística, sem ser solicitado uma contrapartida a tais incentivos. 
O diesel, no Brasil, é um problema que irei detalhar em próximo artigo, historiando a evolução do petróleo no Brasil e dos combustíveis a ele ligado, no caso o etanol. O Brasil funciona baseado no diesel, e não temos uma alternativa de curto prazo para ele. Enquanto o resto do mundo caminha para banir o diesel de sua matriz energética, por ser um combustível mais poluente do que a gasolina, o Brasil insiste nele.
Perdemos a chance de, em 2009, impormos a contrapartida de retirarmos o diesel das cidades, principalmente nos transportes de massa urbanos, substituindo-o pelo gás natural. A Comunidade Europeia tem a meta de retirar o diesel de sua área até 2035. Portugal e outros países estão proibindo a venda de novos carros a diesel a partir de 2022, em média. Cidades, como Madrid e Paris, estão discutindo proibir a entrada de veículos a diesel a partir do ano que vem.
Ou seja, o Brasil continua a caminhar sem olhar pra frente. E saibam que as reservas de gás natural brasileiras são grandes. Com dados de 2017 obtidos no site da Agência Nacional do Petróleo, o Brasil possui 370 bilhões de m3 de gás em reservas provadas. Se considerarmos adicionamos a este número o volume das reservas prováveis e possíveis, o número chega a um total de 609 bilhões de m3 de gás natural. O consumo anual brasileiro, em dados de 2017, é de 21,9 bilhões de m3, o que numa "conta de sobrevivência" dá um resultado de esgotamento de 16 anos nas reservas provadas e de 27 anos em todas as reservas. Ou seja, temos gás e não o usamos corretamente.

Ônibus no Porto movido a gás natural, com perfil baixo, adequado a países com população idosa em crescimento. Ao fundo, a bela Casa da Música.

Perdemos a chance de, em troca da concessão dos incentivos em 2009, ter a contrapartida de ser efetuada a troca do combustível de toda a frota nacional de ônibus urbanos em um prazo de 10 anos. E isto seria factível por 2 motivos. O primeiro é que as facilidades creditícias foram concedidas na mesma época. E o segundo é o mais óbvio: todas as empresas que fabricam ônibus que vocês veem na foto acima tem subsidiárias no Brasil. O ônibus da foto é fabricado pela Mann, que no Brasil assumiu a antiga Volkswagen Caminhões. Mas todas as outras, Volvo, Scania, Ford, GM etc fabricam em seus países de origem veículos como o da foto que, além de serem movidos a gás, têm perfil baixo sem degraus para a entrada e saída dos passageiros, facilitando a vida de idosos e deficientes físicos.
Se tivéssemos feito isto, já teríamos cidades menos poluídas, menos contusões de usuários por conta de tombos, e a vida dos deficientes físicos seria um pouco melhor. E, nos últimos 8 anos a troca de combustível em nossos ônibus urbanos seria quase toda efetuada.
Planejar a longo prazo é vital para sairmos dos impasses que temos no Brasil.

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